29.7.06

Sábado meio torto, morno, briguento e birrento. As pessoas são cada dia mais complicadas, obviamente, eu inclusive e principalmente. As relações se estreitam ou se distanciam de vez. A cordialidade de pessoas que apenas se relacionam pelo histórico. Sinto-me distante delas, séculos. Nossa história não andou junto, a vida não é linear. Agora, como dói quando assumimos isso.... Como é triste as pequenas declarações não declaradas de que as coisas só tendem a ficar mais distantes. Que talvez precisemos nos distanciar mais do que já estamos pela vida, pra tentar doer menos. Acho que não gostamos do jeito que somos. E por tabela detestamos a forma como nos relacionamos... Será? Ou eu estou sendo pretensiosa o suficiente para supor que você realmente, depois do choro ao telefone, parou para refletir sobre isso? Será que acaba com o seu dia tanto quanto o meu, ou é protocolar? Choro pelo papel que cumpre. Não quero magoar, mas também não quero me agredir. Será que você me enxerga um pouco próximo disso? Ou é mais cômodo ser a vítima de uma alma cruel? Tantas possibilidades, tantas dúvidas... e eu, tão desgastada pelo telefonema da manhã que por hora, não tenho disposição nem vontade para perguntar.

20.7.06

Quando tudo faz sentido...

Caminho, 3km segundo alguns. Uma turminha... eu, Julia, Tripa e Nildo, desde Jordanésia. Dona Ana e Dona Josefa desde o ônibus. Dona Josefa lembrou de mim, mas não sabe exatamente de onde. Ela me conta isso depois, no momento, só sorri em minha direção. Talvez para mim. Percebi depois que era para o mundo.
A chegada, as pessoas,o inesperado, tudo acontecendo ao mesmo tempo agora. Janta na casa de uma, dormida na casa de outra, e desfeita na casa de outra...ai se minha vó sabe disso. Jantamos com a Ediana.Dormimos na casa de D. Isabel. E no outro dia fomos almoçar na Dona Josefa, Zé Roberto, Chiquinho, Rafael e Rafaela, para tentar reparar a desfeita de ter sido convidada para jantar e não aceitar. Conversa, crianças, comida boa. Nós comemos nos pratos afinal éramos visitas. Com uma certa vergonha de ser tão bem recebida, com carne no almoço. Seu Zé me dá uma aula de escravidão no Pará me explicando o que ele passou. Trajeto: Ceará - falta de trabalho - Pará- escravidão e fuga – Ceará e Dona Josefa – São Paulo com crianças... 3 dias e 3 noites. - Você chega na horinha em que sai.... só que três dias depois...
E agora MST, se virando, morando, comendo, mandando os filhos para a escola. E ainda falta muito de tudo. As crianças tomando vitaminas em gotinhas. –Pra engordar tia – me explica Rafaela com a vitamina e a colher na mão....
O poço sendo construído por Zé Roberto – Vai ser cimentado e tudo-, Rafaela aprendendo a fazer roupinha de boneca com a mãe – Só não consegui fazer o colarinho- me conta Dona Josefa mostrando a roupinha vestindo o bebe de brinquedo. Rafael já sabe ler – Mas só com as letras separadas, as juntinhas eu ainda não consigo...- Chiquinho jogando damas de tampinha com João, o seminarista de Togo que está dando aulas de inglês no acampamento...todo mundo falando rauareiou o tempo todo.
Ainda faltam vitaminas e conforto..... mas já transborda a dignidade.

16.7.06

E depois faiz o quê?

Sentimentos misturados.... um pouquinho de medo de sentir algumas coisinhas. Conversando com um puta amigo no fim de semana, sabe aqueles que quando você fala determinados nomes e acontecimentos, sabe exatamente do que você está falando? Ele é ator...nos encontramos pouco então dificilmente a conversa não recai sobre o que estamos lendo, em que estamos pirando no momento e com quem andamos nos relacionando...ou não. Falávamos sobre o quanto, muitas vezes, somos profundamente conservadores quanto ao que esperar da vida e do amor. Ele me falava sobre um autor com o qual havia trabalhado em uma cena sua e que questionava justamente os modelos ideais, as idéias previamente elaboradas ou posteriormente explicadas do amor. Ficamos pensando como o amor acontece nas pequenas coisas..... naquelas que não explicamos, aquelas que o mito do amor romântico burguês sufocam e calam. Não existem tipos de gente pelos quais estamos passíveis a nos apaixonar. Essa loucurinha vem dos lugares mais estranhos travestidos nas mais diversas possibilidades.... Vem do nada, arrasa e toma tudo. Daí ser tão difícil de se situar depois, distinguir ou pensar nos porquês depois que sua visão já esta um tanto quanto ludibriada .... Inclusive, desconfio que nisso está toda a graça. Não explicar nada, só sentir tudo.

“Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um. O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade do meu desejo. Esta escolha, tão rigorosa que só retém o Único, estabelece, por assim dizer, a diferença entre a transferência analítica e a transferência amorosa; uma é universal, a outra é específica. Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes (e talvez muitas procuras), para que eu encontre a Imagem que, entre mil, convém ao meu desejo. Eis o grande enigma do qual nunca terei a solução: por que desejo esse? Por que o desejo por tanto tempo, languidamente? É ele inteiro que desejo (uma silhueta, uma forma, uma aparência)? Ou apenas uma parte desse corpo? E, nesse caso, o que, nesse corpo amado, tem a tendência de fetiche em mim? Que porção, talvez incrivelmente pequena, que acidente? O corte de uma unha, um dente um pouquinho quebrado obliquamente, uma mecha, uma maneira de fumar afastando os dedos para falar? De todos esses relevos do corpo tenho vontade de dizer que são adoráveis. Adorável quer dizer: este é o meu desejo, tanto que único: “É isso! Exatamente isso (que amo)!” No entanto, quanto mais experimento a especialidade do meu desejo, menos posso nomeá-la; à precisão do alvo corresponde um estremecimento do nome; o próprio do desejo não pode produzir um impróprio do enunciado: deste fracasso da linguagem, só resta um vestígio: a palavra “adorável” (a boa tradução de “adorável” seria ipse latino: é ele, ele mesmo em pessoa).”
Fragmentos de um discurso amoroso – Roland Barthes

13.7.06

madrigal tão engraçadinho

Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida, inclusive
O porquinho-da-índia que me deram
quando eu tinha 6 anos.

Manuel Bandeira

11.7.06

Jirlene

Ji trabalha comigo. Na verdade Jirlene. Faxineira. Veio de Alagoas mocinha para trabalhar. Encontrou um traste, que antes de casar não era tão traste.
-Senão eu não tinha casado, não e?
-É.
Adorável namorado machista que se transforma em maldito marido machista. A posse quase de brincadeirinha, bonitinha, joguinhos de amor. Confirmada explicitamente, mudado o sobrenome, também a violência torna-se explícita. Os empurrões, as ameaças. O casamento não é mais uma opção de amor e realização social. É agora de pressão social e medo. Não podem largá-los Não os amam e não podem largá-los. E minha cabeça limitada pela minha condição, tem dificuldade de pular o muro.
-Mas você trabalha..... já disse que ele não dá nada nem para você e nem para sua filha....
-É, mas ele não sai de casa, diz que eu tenho outro.
- Sai você.
_ Tem a Greice....
- A Greice tem nove anos..... aos poucos ela entende....
- Ela diz que eu vou achar outro homem. Ela fala assim: Mãe, e se você achar outro homem, e ele mexer comigo?
Frio no estômago. Ela tem nove anos. De onde ela tirou essa idéia?
- Ji, presta atenção nela. De onde ela tirou isso? Você não acha que ela vai estar melhor só com você. Você mesmo disse que o traste é um inútil, peso morto, um estorvo para quem você é obrigada a lavar, passar e cozinhar.
- Eu tô vendo dois cômodos perto da minha irmã. Ia ser bom porque ela me ajuda, pode ficar com a Greice. O dinheiro que eu pago a moça onde a Greice fica, pode pagar quase inteiro o aluguel.
- A Greice fica na casa de outra pessoa? De quem? Tem homens lá?
Bateu o sinal. Ji sai correndo para limpar a lousa. Vou para sala de aula. Pensando na Greice. Linda, com um cabelo bem comprido, morena....Pensando coisas ruins. Vontade de chorar... e de ter grana para pagar o aluguel delas. De sentar e contar uma história para a Greice, triste, porém pedagógica. Torcer para que tudo seja só paranóia, que ela não entenda essa história. E que a dela seja mais bonita.