Tempos difíceis esses em que não há distinção efetiva entre os vários grupos em disputa. Eu estou em campanha pela Marta (Dona Marta, como dizem os raivosos), e talvez esse seja meu lado mais stalinista (ops, pragmático). Não estou comparando a radicalidade do capitalismo de Estado soviético, com a política social-democrata mansinha dos companheiros do PT. Mas o fato é que não consigo entender essa história de voto crítico, de correr o risco de perder uma eleição para o PSDB, fazendo beicinho de indignado e marido traído para o PT.
Explico: O discurso é ruim, a política é pior. Mas, antes o PT sendo manso, do que o PSDB sendo selvagem. E ele é, todos sabemos. O PSDB com o Estado na mão, é um trator que destrói e desmonta qualquer tipo de benefício que se possa oferecer para os fudidos em geral.
Com isso na cabeça, você engole os bundas do PT. Engole com uma cachaça para ver se desce melhor.
A companheira fala de seu programa de governo, como se ele fosse o máximo da coragem, da mudança estrutural. Com aquela ênfase de
viva la revolucion, mas utilizando, por exemplo, a bandeira da revitalização do centro. Ora, nenhum companheiro avisou que o termo é ruim? Que ter muitos pobres, não quer dizer estar morto?
Pensei nisso passando pela Praça Roosevelt com as companheiras. Quando eu me mudei para São Paulo (e nem faz tanto tempo assim), nem os cachorros sentavam para tomar uma cerveja naquele lugar, porque era fedido e insalubre.
Hoje, graças ao fato de que
"a vida voltou", a cerveja subiu (acho que 4,50, ou seja, preço de zona ou de otário). Não dá para tomar cerveja do mesmo jeito. E além disso, é pouco atraente pensar naquele bando de gente pau no cú fazendo cara de sabida, concentrado no mesmo lugar. É insalubre também. Ofende.
Esse é o espírito. Revitalizar significa agregar valor. Agrega valor na cerveja, e por tabela, nas pessoas que bebem sua cerveja ali.
Ou seja, quem bebe junto com a ala intelectualizada da cidade, deixa de ser apenas um rosto bonito e uma cabeça vazia. Beber ali, significa que você pode compartilhar da cultura, da inteligência. E é bom lembrar que para grande parte dos artistas,
cultura é o que eles fazem nos
espaços culturais, e o viver do cotidiano simples não faz parte disso.E agora, sentado ali você é um deles. Essa é a parte mais fabulosa do mundo das mercadorias no seu estágio atual. Consumimos cultura, cerveja e nos identificamos plenamente com os artigos que compramos. Compramos um livro, porque é coisa de gente inteligente e não pelo prazer. Pagamos um absurdo na cerveja, porque com ela, também compramos o que ela significa. Não é ela que vale, é o lugar onde ela é servida.
E não é cevada o que está dentro daquela garrafa.
É cultura.
Segue o diálogo:
- E aí gentes, vamos beber aqui mesmo?
Coro:
-Não....
E nessas prefiro os lugares que ainda estão mortos no centro, mas que assim, me dão a sensação de serem de verdade, e não um simulacro. Já tentei diversificar, mas nesse lugares
vivos, não rola nem vontade de paquerar, porque não dá para prever o mala que vai sentar na sua mesa. Vai que o cara tenta me cantar passando a bibliografia sobre o expressionismo no cinema alemão...
Como sempre, terminamos bebendo uma e comendo a boa e velha porção de calabresa em um daqueles lugares que estão mortos há muito tempo. Esse tem até uma lápide: Servindo desde 1958.
Estar vivo é pouco. Antes morto e cheio dos defuntos do centro (como os bolivianos que estavam do nosso lado) do que vivo com aqueles que, vivendo, matam a arte em nome da tal cultura.
Mesmo assim, a vida anda difícil e a conjuntura grita:
Pau no cú da Marta... Viva a Marta!