31.1.07

Para a esquerda e para frente.

Muita vontade de escrever mais. Mas o mais de um sempre quer dizer menos de outro, portanto nesses dias, fiquei ocupada com a vida pratica e nao pude escrever. Agora que ja voltei a trabalhar, tenho tempo porque sou muito boa em parecer ocupadissima quando estou escrevendo no blog aqui da sala dos professores. Pena que o teclado esta desconfigurado. Outra hora, escrevia em um teclado que nao tinha nossos acentos. E com muita pressa. Agora sem pressa porque tenho horas para cumprir, mas ainda sem acento. Ou seja, de volta a vidinha.
Queria escrever tanta coisa sobre Buenos Aires, gostei tanto de la, da forma como os padroes do que e a dignidade humana parecem melhores. Da relacao entre a populacao e os espacos e servicos publicos que, mesmo tambem deficientes em diversos aspectos, estao anos luz a frente de Sao Paulo, a capital do caos. O fato e que apesar de inumeros episodios que merecem ser lembrados aqui, o que mais tem ocupadao minha cabeca e a porra do Estado, do tal do governo, aquele la longe, abstrato e protegido em Brasilia. Realmente era muito impressionante para alguem que nao conhece a capital do seu proprio pais, lembrar diversas vezes durante o dia que o poder constituido estava ali, na minha frente ou a 15 minutos dali.
- Nossa, que linda a sede do Ministerio da Cultura.
- Deve ser porque e a sede do Ministerio e nao da Secretaria da Provincia.
- Puts, e mesmo.... e a nossa fica onde (pergunta em um teclado desconfigurado)
- Em Brasilia, ne. Ou seja, no meio do nada com lugar nenhum.
- E a necessidade de integrar o territorio, a nacao. (pode ser ou nao uma pergunta, fica ao gosto do leitor)
- Sei....
Alem da questao geopolitica, depois de passar duas semanas ao lado de um anarquista ortodoxo, que no meio de uma pizzaria me acusou de bolchevique, encontramos amigos recem chegados de mais um classico reduto de turismo politico. A bolha socialista perdida no turismo predador (existe outro tipo? aha, achei o ponto de interrogacao...progressos), ou seja, a Cuba do comandante Fidel.
- Porra, um puta Estado autoritario, sem noticias porque todo dia e alguma data memoravel dos tempos do inicio da Revolucao, mas que garante os direitos basicos do cidadao... No que isso difere do Estado do bem estar social?
- Na solidariedade e espirito de coletividade das pessoas.
Me emocionei um pouco quando ouvi isso.
E aqui? E no resto da America Latina? Onde a dobradinha assistencia e repressao nao existem, onde ficamos apenas no campo da porrada generalizada, com uma populacao que so ve o Estado como pulicia? Fiquei pensando que essa ideia de superar o Estado, de destrui-lo, e discussao para europeu e bons leitores da literatura anarquista. Como destruir o que nao existe para a maior parte da populacao?
- Poxa rapaz, voce sumiu, tava de role? (pergunta para um colombiano que depois de tentar me chutar no comercio ilicito do hostel, acabou virando um bom colega).
- Que nada. Estava internado. Fui picado no Brasil, fiquei com essa ferida que ficou feia porque os outros medicos me disseram que nao era nada. Ai o medico daqui raspou e fiquei tomando injecoes que precisavam de acompanhamento. E quer saber? Nao paguei nada no hospital. E sou estrangeiro. Se fosse na Colombia estava perdido porque me custaria x (nao lembro quanto) e nao tenho esse dinheiro. Se fosse estrangeiro, pior, ai e que estava ferrado mesmo.
O fato e que o atendimento nao foi gratuito. Foi publico. E isso a maior parte da populacao nao consegue conceber porque simplesmente nunca foi criado de fato. No caso do Brasil, o mais perto que chegamos da construcao de um Estado, foi a ditadura varguista. Depois, foi somente o desmonte liberal de uma tentativa timida e tosca do pacto conservador que buscava a anulacao das constradicoes de classes. E so isso.
Voltei pensando muito no quanto as politicas publicas sao importantes para que a ideia de ser assistido como retorno pelos impostos pagos faca sentido. Para que as pessoas sintam falta do atendimento publico quando ele piora. Para que briguem e se ofendam quando o onibus esta lotado, ou quando nao vem. Para que as escolas de qualidade possam por fim ser pensadas como um direito de todos, e nao apenas como um sistema paliativo para os pobres, como referencia do que e ruim para que aumentem as matriculas e os pais infelizes se matando de trabalhar e se privar para pagar a rede particular.
Enfim, para que uma hora possamos entender e enraizar em nossa cultura politica a ideia de cidadao, e todos os direitos basicos incutidos em tal conceito ainda tao vago para todos.
Precisamos ainda aprender que somos pessoas, e nao restos incapazes de um sistema falido, no qual aqueles que nao podem pagar pelos servicos privados ruins sao colocados como meros fracassados.
E para tanto, e preciso mostrar para esse poder que paira sobre nossas cabecas, que a demanda existe e esta mobilizada. Alias, nao esta, mas precisa estar. Nao se trata de eleger o cara que vai criar este Estado. Mas de fortalecer a populacao que vai bater de frente com essa estrutura amorfa. Antes disso, discutir se devemos ou nao ter um Estado e pura abstracao teorica que so faz sentido para nossas conversas, que apesar de muito qualificadas e essenciais para pensarmos nossas praticas locais e pessoais, eu, falando exclusivamente por mim e de minha pessoa, acho que definitivamente nao dialogam nem com a nossa realidade, nem com o atual momento historico do nosso pais e de alguns vizinhos bem interessantes.

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