28.5.08

Deus ajuda quem cedo madruga?

De vez em quando, em determinadas fases, acabo dormindo pouco. Ao contrário do poeta, tenho muito sono a noite e pouco sono pela manhã.
Fiquei pensanso se estou ou se sou assim. Meio histérica pela manhã.

Em pleno domingo, depois de uma semana complicada e de uma tarde-noite de samba, cerveja e churrasco, seria o dia perfeito para dormir até o corpo doer. No entanto, antes das 6 da manhã, lá estava eu, tomando um café e vendo televisão debaixo do cobertor quentinho. Vi seriados bobos de solteiros malas. Depois passei para o tradicional "Pequenas empresas, grandes negócios". Foi aí que me lembrei que assisto esse programa, no domingo, nesse horário bizarro, desde que me conheço por gente.

Minha casa em Piedade é o elo perdido entreo camponês e o citadino. Em termos materiais, apesar de meu pai sempre ter trabalho com roça, ele era o patrão e minha mãe era funcionária pública, portanto estavamos bem distantes das condições de vida do mundo rural. Mas pensando nos costumes, meus avós foram os responsáveis por perpetuar os hábitos mais caipiras do mundo. Cultura do arroz-feijão-ovo e leitoa criado e plantado por eles mesmos.
De acordar cedo, porque a vida é assim, se trabalha do nascer até o cair do sol.

Em casa ninguém trabalhava nesse tanto, mas todo mundo sempre acordou muito cedo. Meu pai levantava para ir buscar os "camaradas" e ir para a roça. E logo cedo, lá estava minha vó fazendo café e pegando o pão que meu pai trazia para a rapaziada. Me dava um dó. Poxa, era domingo, tava frio... E o pessoal lá, na varanda de casa, vestindo um monte de trapo, um sobre o outro. As moças de saia e calça. Os moços com o boné de algum candidato ou comércio local. E eu encolhida com o meu vô, não entendendo porque eles tinham que sair de casa tão cedo... Poxa, bem na hora do Globo Rural?

Então minha vó fazia para nós dois, virado de farinha de milho com ovo. Chá preto para o meu avô e café para mim porque sempre adorei café, desde pequena. Meu vô me dizia que eu era pretinha por isso. Porque tomava muito café.
Daí a gente ficava lá na sala. Assistindo o Globo Rural, que era o mais legal. Depois um pedaço da missa diretamente da Aparecida do Norte, e depois vinha a Inesita. Saudades do vô, e ele já morreu faz tanto tempo... Tenho a impressão de eu seria uma pessoa diferente, talvez melhor se ele tivesse ficado vivo mais um pouco. Quando ele morreu eu tinha 7 anos de idade e parece que depois disso, tudo desandou e virou o mar de confusão que é até hoje. Pelo menos é assim que me lembro das coisas... Eu era uma até aí, e virei outra depois disso.

Engraçado o fato de que esses programas ainda existem e me trazem uma manhã nostálgica, horas para se pensar na própria história.

Após uma reportagem sobre o cultiva das oliveiras, pensei que talvez minha memória estivesse criando imagens que não existiam. Como é possível o mesmo programa existir por tanto tempo? Será que eu não assistia tudo isso um pouco mais velha?

Então o apresentador leu uma carta de um espectador. Ele dizia que estava completando 26 anos de casado, e que ele e a esposa começaram a assistir o Globo Rural juntos, na lua de mel e, desde então, não perdiam um único domingo. São vinte e seis anos, ou seja, exatamente a minha idade, fazendo exatamente a mesma coisas, juntos.

No primeiro momento, me pareceu absurdo. Depois pensei em mim. Gosto desse programa pelo menos há 21 anos... Continuo adorando as reportagens sobre como combater pragas, melhorar a alimentação do gado, ou as máquinas malucas que vira e mexe algum tiozinho inventa para extrair alguma coisa do seu cultivo. Então por que não fui ser algo mais prático, ligado a todo esse universo?

Talvez porque no fundo, ficou mais forte o não entender por que eu podia ficar em casa comendo meu virado de ovo com café, enquanto todo aquele povo subia no carro e partia para o trabalho, como marmita e filhos a tira colo. Sem poder dormir em um domingo frio. Nem muito menos, assistir quentinho o Globo Rural.

Já bem grandinha, descobri que eles eram chamados de "camaradas" pelo meu pai, mas que na verdade, era na marmita que se podia entender de fato o que eles eram: Bóias-frias. Descobri que eu só podia ficar em casa com meu avô, porque o avô de alguém estava em cima daquele carro, no frio. Que a minha mãe ia para a missa, toda bonita, porque a mãe de alguém tinha largado o filho em casa para trabalhar, ou ia passar o dia xingando os moleques para que eles não atrapalhassem "o pessoal que estava arrancando cenoura".

E que na verdade, deus esqueceu há muito tempo de quem cedo madruga.

2 comentários:

disse...

assistir ao globo rural é bom e é ruim, pq quando a gente entende, dá uma raiva...

Anônimo disse...

Oi Cassia..é o Danilo do CPV...Que texto gentil...engraçado, algumas coisas eu me lembro igualzinho a vc...meu avô, o globo rural, como era (e é até hoje, apesar de tudo)gostoso ver como plantar e tals... eu até ja quis fazer agronomia, e olha que eu sempre fui um moço da cidade...mas sei o que vc sentia ao ver os trabalhadores, ainda que em um contexto diferente, eu tbm me perguntava sobre a realidade que eu nao entendia muito bem... ai deu no que deu...hehe...pra nois dois e pros outros que vao fazer esse curso maluco...