30.10.06

O que é o que é??

Clara e salgada,
cabe em um olho e pesa uma tonelada,
tem sabor de mar,
pode ser discreta,
inquilina da dor,
morada predileta.,
na calada ela vem,
refém da vingança,
irmã do desespero,
rival da esperança,
pode ser causada por vermes e mundanas
ou pelo espinho da flor,
cruel que vc ama,
amante do drama,
vem pra minha cama,
por querer, sem me perguntar me fez sofrer,
e eu que me julguei forte,
e eu que me senti,
serei um fraco,
quando outras delas vir,
se o barato é louco e o processo é lento,
no momento,
deixa eu caminhar contra o vento,
do que adianta eu ser durão e o coração ser vulnerável,
o vento não, ele é suave, mas é frio e implacável
(é quente) borrou a letra triste do poeta,
(só) correu no rosto pardo do profeta.
Verme sai da reta,
a lágrima de um homem vai cair,
esse é o seu B.O. pra eternidade (...)
Jesus chorou - Racionais

Se por um instante, a realidade construída parece estar ficando (parecendo?) ao nosso gosto, numa brusca derrapada, parece que todo o controle sobre a vida se esvai em um simples não saber o que fazer. Nesse instante de ternura, quando algo (ou alguém) parecia estar incluído no nosso universo emocional, por um descuido, ou pelo zelo excessivo de tentar manter o belo, submergimos sem muitas vezes deixar uma âncora para nos lembrarmos aonde estávamos antes daquilo. Daí então a dificuldade de voltar. O barco, sem a âncora, ficou à deriva e se foi. E agora, ou procuramos retomá-lo, encontrá-lo na imensidão das águas (o que me parece um tanto quanto insensato, ou melhor, improvável), ou tentamos voltar para a margem e começar de novo, com outro barco, dessa vez com sinalizadores e meia dúzia de âncoras.

Enquanto conversávamos, mesmo com os olhos marejados, o esforço era tentar (repito, insensatamente), primeiro olhar o mais longe possível, procurando o barco. Depois olhar apenas para uma direção procurando a margem. Hora de voltar, de começar de novo, de não esquecer a âncora.
Não acho o barco, mas abro mais uma cerveja que por hora serve de bóia (apesar de serem aquelas de bracinho que não suportam nosso peso, e estou mais pesada do que nunca). Quase ficando bêbada, quase perdendo a dignidade, quase chorando.....
-Vamos pegar suas coisas lá em casa.... seu presente é seu. Não comprei para mim, não quero, ele vai sempre me lembrar que era seu e que se continua meu, não foi por opção.....
- Vamos.
Final quixotesco.... Caminhamos juntos, esfriava. Pegamos tudo. Voltamos. Eu te ajudava a trazer as coisas num último gesto de companheirismo, aproveitando aquele segundo em que ainda podia te ajudar em algo. E ainda procurava o barco.
Acho que gostou do que escolhi para a sua casa, aquela que eu não frequentaria.
Agora chega, levanto-me e digo que vou embora. Você me acompanha. O último beijo e simplesmente dizemos: Nos vemos.
É, ainda por um tempo, sei que te verei na minha frente. Enquanto ainda procurar o barco, só verei você. Cada vez que tentar entender e deduzir coisas que nunca saberei, como a direção do vento naquele instante, o que pode ter acontecido e para onde o barco pode ter navegado, só verei você.

Viro as costas, lembro que, ainda bem, não tenho mais dinheiro e não posso entrar no bar de novo.
Agora caía uma garoa que arrefecia a cabeça e o coração que ardiam. Paro de olhar para o horizonte e me volto para onde quebram as ondas. Não posso mais retornar para o ponto em que o barco, mesmo navegando sozinho, parecia estável. Portanto, busco a margem, respiro fundo, e torço para que meus braços aguentem chegar até lá. De novo. E quantas vezes precisar voltar.

27.10.06

CPTM II

Hoje o dia estava mais cinza....
Estranha sensação de não fazer parte desse mundo
Parecia que andava sobre tudo, a parte de tudo
Leve, não vendo nada, não sentindo nada
Tudo era alheio, uniforme e sem vida
A CPTM só desembarcava um rebanho,
não tinham humanidade,
não eram pessoas
hoje não sou uma pessoa, apenas existo apesar disso
apesar de tudo
E os casais se foram....
Ou não consegui enxerga-los?

23.10.06

CPTM

No trem da CPTM, os casais se amam
Ainda é cedo, o frio pega
e o trem apita
Avisos do mundo proibem o cigarro
Do jeito que as coisas vão
Um dia ainda irão proibir o amor
Mas os casais resitirão
Como os fumantes que se
acocorutam no cantinho da estação
É o ponto de encontro
entre Rio Grande da Serra e o Tucuruvi
Entre o trabalho mal pago,
a caçhaça e a roupa barata
Na luz do mundo inerte
o amor e os casais resistirão
Eles precisam resistir
Eles precisam existir
Por nós, por todos a quem o coração
transborda logo cedo na estação
Eles precisam lembrar a todos
que a vida é mais do que o sono
e o choro contínuo da raiva matinal
De quem nunca escolheu muita coisa
De quem carrega a marmita de um lado
e a vontade de outra
De quem carrega a dor contida
dos amantes no adeus
De quem só quer que o tempo passe
e o abraço e o cheiro de outrora voltem
E que só quer voltar para o trem,
de onde ele te trouxe
angustiado para onde ele te leva.
Devolvendo o que de manhã, a vida,
o trabalho e o trem lhe roubaram.

16.10.06

Historinha de uma história

Eu, cervejinha, amigas
Quando distraída,
no azulzinho do ônibus Vila Gomes
no canto, um olhar
que um dia, já quis que fosse meu
só para mim
era o seu, meio menino
meio moço sério
Fiquei com vontade de rir
meio bebâda, meio jogada
achando mentira o que para todo mundo,
dizia a lenda, existia
Historinha bonita....
que me deixa rindo sóbrea, sozinha
Ora bilhar, ora violão, ora cama, ora cerveja na Igreja
Você me chamando de maluquinha
e eu não querendo nada, só amada
E se assim coragem eu tivesse
só diria
E aí menino, quer escrever a quatro mãos
o que até agora construi sozinha
E então mocinho, quer continuar comigo,
essa que podia ser a nossa historinha?