27.11.06

Sobre (ou sob) a vontade

A chuva, ao mesmo tempo que me deslumbra, dá uma sensação incrível de ser muito menor do que o mundo. A Aline está no meu colo, brigando para que eu não escreva porque ela quer carinho. Agora, escolhi desce-la porque não quero ser carinhosa, quero escrever. É sempre assim, quando quero puxar-lhe para junto de mim, recusa como se eu não a conhecesse, como se não a alimentasse todo dia. No entanto quando não a quero, alisa-me e fica dando cabeçadas pedindo que coloque minha mão sobre sua cabeça. Ela me lembra muitas outras situações em que fui incompatível com aqueles que tentaram gostar de mim. E também com aqueles de quem gostei. Nos desencontramos pela vida da mesma forma como eu e a gata Aline nos desencontramos pela casa. Acho que no fundo somos muito parecidas. Nós duas andamos procurando coisas nas horas erradas.
Está assustada com o trovão, deitou-se ao meu pé e desistiu. Minha vontade foi maior do que a dela, assim como por vezes, tenho a sensação de que uma vontade maior passa por cima da minha. Ela se resignou aos meus pés. E eu? Tenho me resignado diante de tantas coisas que vez ou outra tenho que me lembrar do que gosto e do que vale a pena brigar. Agora a chuva me prostrou de tal forma que não tenho vontade de me mexer. Quando conseguir lembrar do que existe além da cortina de água, quem sabe eu dance debaixo dela só para lhe mostrar que posso. Assim como a Aline enxergou que pode me vencer se ficar quietinha e me deixar fazer as duas coisas ao mesmo tempo : alisá-la e escrever. Assim como percebo que posso continuar, mesmo com a tristeza que me acompanha. Essa tristeza que hora ou outra, só para variar, até se mostra contente. Lembra que posso não estar completamente satisfeita, estar frustrada, sem estar prostrada diante de tudo. Assim como a Alininha, por meio da resignação, conseguiu contentar-se até sair dela e passar a ter um espaço definitivo. No meu pé, é fato. Mas ela pode ficar aqui até quando ela ou eu quisermos. Na resignação ela entendeu que a partir de um certo limite, do meu limite, a escolha passa a ser dela, não minha. Assim como daqui a pouco, essa tristeza que por enquanto faz com que eu desista, faça com que eu escolha, com que me sobreponha a simples vontade aparentemente imposta por uma mundo que não é fácil de ser vivido . Um pouco confuso? Pois é, no fundo só quero dizer que tudo uma hora cansa, até a tristeza, e que então chega a hora de lembrar das vontades e escolher para onde ir. A Aline também se cansou de ficar aos meus pés pedindo carinho, teve saudades do Che e foi buscá-lo. Para depois vir me chamar e dizer que ele estava preso no telhado do vizinho. Ela foi buscar o que lhe parecia melhor. E eu sai na chuva para ajudar o Che a sair de uma situação da qual, apesar de ter buscado sozinho, não conseguia sair. Aliás, sairia sim, mas demoraria mais. E para que sofrer mais do que o pedagógico se eu posso ir até lá ajudá-lo? Se ele tem a Aline que não o deixa nunca? Se tenho pessoas que também sairiam na chuva para me salvar.
Daqui a pouquinho, eu escolho.

21.11.06

Mais uma de Piedade....Tudo bem...

Só pela nostalgia despertada em responder insesantemente a mesma pergunta vinda de pessoas que realmente não se importam com a resposta... Salve a punkisse!

Oi, tudo bem?
Tudo bem, fora o tédio que me consome todas 24hs do dia
Fora a decepção do ontem, a decepção do hoje,e a desesperança crônica do amanhã !!!
Tenho vontade de chorar, raiva de não poder quero gritar até ficar rouco, quero gritar até ficar louco !!
Isso sem contar a ânsia de vômito,reação a tal pergunta idiota !!!!!
Fora tudo isso, tudo bem...

14.11.06

Ausência

Por muito tempo, ouvia teu nome e tudo latejava, perdia o sentido, estremecia... tristeza de saber pelos outros, de ter notícias longe de mim, sem que você me contasse, e muito menos que eu participasse. O estomâgo doia, a cabeça bagunçava e, chorona que sou, me debulhava em perguntas, nos porquês que nunca seriam respondidos, mas cuja solução é bem simples: Sente-se ou não amor, e na ausência desse, não há o que fazer, nem pelo que lutar. Pior para quem não entendeu, insistiu e sofreu. Pior para quem amou sozinha por tanto tempo. Para quem teve sua dor como companheira...
Mas depois de tempos, quando o nome volta aos ouvidos por uma dessas coincidências da má distribuição de renda, vem o alívio de não doer. Não disse não sentir, porque fará parte da memória. Mas não dói, não lateja, só faz parte de mim. E fará sempre.

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

C.D.A

8.11.06

Único diálogo possível - O molotov

Solidariedade para com a Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca. Para com aqueles que escondem o rosto para serem vistos. Nem que para isso tenham que queimar um Burguer King com molotov.


«Venimos a preguntarle a la patria, a nuestra patria, ¿por qué nos dejó ahí tantos y tantos años? ¿Por qué nos dejó ahí con tantas muertes? Y queremos preguntarle otra vez, a través de ustedes, ¿por qué es necesario matar y morir para que ustedes, y a través de ustedes, todo el mundo, escuchen a Ramona -que está aquí- decir cosas tan terribles como que las mujeres indígenas quieren vivir, quieren estudiar, quieren hospitales, quieren medicinas, quieren escuelas, quieren alimentos, quieren respeto, quieren justicia, quieren dignidad?»
Subcomandante Marcos

6.11.06

Quando estranhos personagens adentram a nossa vida

Maria Padilha. A pomba – gira. A puta que se fez Deusa. A vingança daquelas que esquecidas pelo mundo, mercantilizadas, apropriadas por mãos a quem não respondem com amor. Filhas da noite. Ditas perdidas pelo mundo machista que as execram. Ditas achadas por esse mesmo mundo que as procura.
O mundo cria sub-produtos. Crias renegadas que, no entanto, teimam em se manterem presentes e vivas. Teimam em lembrar ao mundo que existem. Teimam em ter voz. Quanto aos caminhos da redenção, não me compete julgar. Cada um vai como dá, faz suas escolhas como pode.
Hoje no banco, circulavam na minha frente sub-produtos não reconhecidos pelo mundo como tal. Moças bem pintadas, atinadas com a moda, ditas bem sucedidas e resolvidas. Aquelas as quais, Maria Padilha não chegaria nem perto. Elas talvez não procurem. Ou procurem da forma como estão acostumadas a lidar com o mundo. Vendendo e comprando. As imagino tentando se aproximar da deusa, por meio de plaquinhas que garantem a volta de seu amor mediante pagamento posterior. E fico imaginando a Maria Padilha, com um ar pedante e sarcástico:
- Para essas daí? Para elas não! Não são moças de casar? Não são dignas aos olhos dos homens? Não querem ser iguais para terem casamentos iguais? Sofrem? Problema delas. Para as minhas putas da noite, tudo. Para essas putas do dia, de carteira assinada, nada.
Eu gostaria que fosse assim. Bati boca com uma delas. A ferocidade com que, como uma leoa, defendia a instituição bancária, seu emprego medíocre, sua vida escondida pela maquiagem barata e mal feita, seus rancores por estar ali, me irritaram profundamente. Perdi o respeito por ela. Por todas as mocinhas que vieram lhe prestar auxílio com a mesma conversa de nós. Como se o Itaú admitisse um nós, além de seus acionistas. Pior que isso, só se ao invés de estar no banco, estivesse em alguma ong do Itaú social com bolachinhas e café. Desprezei a todas tão ferozmente quanto elas, do outro lado, defendiam o banco.
Sai de lá pensando no cara que me roubou. Prefiro ele. Ele foi mais educado. Ele falou manso e não me olhou de cima. Fez o que tinha que fazer. Olhou nos meus olhos. Elas não. Ele defendia o seu lado, elas defendiam o seu lado, defendendo o banco e anulando minha humanidade em nome de agiotas institucionalizados. Ladrão por ladrão, o cara que me assaltou foi mais digno porque não mandou recado. Fez ele. Não pagou mocinhas idiotizadas para fazer o serviço sujo. Fez ele.
Em meio a isso, passei então a pensar no quanto esse mundo pode, em uma virada de segundos, se transformar. Do plano completamente abstrato e virtual em coisa concreta, que se realiza de fato. O que antes era um limite de crédito, simples números, sem lastro correspondente, ou seja, dinheiro que não existia, se materializou ali na minha frente em muitas notas que seguiram para o outro lado do sistema bancário, com o sub-produto desse mesmo mundo fomentado por eles, pelos ladrões oficiais e rotineiros. A cria voltou buscar sua parte. Cobrar o abandono dos prmeiros anos. Exigir o que é seu.

(...) esta sociedade que compra tudo e tudo vende, hipocritamente condena os serviços daqueles que são usados para manter intactos os tabus e manter no alto os códigos de moral dessa mesma sociedade.”

Galeanadas à parte, o fato é que em meio aos sub-produtos: Eu, o ladrão, as moças vestidas de secretárias subservientes e fiéis, entendo mais o suposto algoz do que as leoas do sitema financeiro. Não se trata de discursos bestas fflchianos sobre a relação entre a desigualdade social e a violência e blablabla. Trata-se de identificação com a causas do outro, com o porquê do agir e atuar no mundo daquela forma. Eu tomaria uma cerveja com aquele sujeito, como já devo ter tomado por aí com figuras parecidas. Mas eu não tomaria nem um copo de água com açucar (arght) com aquelas vacas. Sente-se ou não se sente, não é? Pois bem, sinto compaixão e não tenho raiva do figura. Sinto ódio e chutaria aquelas cabecinhas medíocres do banco. Além disso, ele foi o único a tentar me tranquilizar, só ele me garantiu que o banco me ressarciria, com mais segurança do que as funcionárias. E de fato, nada como lidar com profissionais, o banco realmente me pagou o dinheiro. O capital circulou, movimentou a economia de algum lugar e eu fui apenas a mediadora desse processo.
No entanto, não procuro vitimizar ou glorificar a quem a vida e as escolhas colocaram do outro lado do mundo moral – burguês - capitalista. Mas quando penso nele, penso em sua redenção. Torço para que aquele dinheiro, o dinheiro que redime as putas com dor nas ancas e no útero depois de um dia de trabalho, também o redima da vida que leva, que tenha compensado. Como não saberei nunca a que serviu, prefiro pensar nas coisas como eu gostaria que elas fossem. Penso nele como um dos ladrões românticos criados pelo Mano Brow. Com uma corrente de ouro que poderia estar em um Setubal. Pagando cerveja e wisqui para os amigos no Carioca Club. Fazendo um churrasco no campão depois do futebol. O ladrão ligeiro, boa pinta, respeitado, principalmente profissionalmente, pelos seus. Como as putas que gozam. Eu prefiro assim.

“Encarnam a mesma imagem que o sistema forjou delas, para usá-las e depreciá-las; mas aí, atenção: esse auto-retrato é impresso em negativo, porque o objeto de desprezo passa a ser objeto de adoração; a abominação abre caminho para a devoção, e a prostituta decide que é sagrada. Achavam que eu fosse uma cadela? Pois sou uma deusa. Invulnerável:

À meia noite o cemitério se incendiou.
A mulher do diabo não morreu."
Eduardo Galeano - Crônicas Latino-Americanas

3.11.06

Essa é mais uma cena do espetáculo tragicômico mexicano: A vida andou passando a mão na minha bunda.


Hoje estou acreditando no sobrenatural, em zica séria. Já dei uma passadela na memória dos últimos dias, para ver se andei sacaneando alguém. Não... aparentemente ninguém puto comigo. Então deve ser mesmo a minha falta de fé. Só pode ser falta de deus no coração e ele tá me testando... Sacana, tentando me convencer a qualquer custo.

Seis da manhã. Gosto muito de dar aula em Mauá. São meus proletas favoritos. Mas às 6 da manhã não se pode gostar de nada. Café naquelas banquinhas na Paulista (por que comprar no comércio formal, se você pode comprar no informal que além de mais barato, é caseiro, portanto mais gostoso, e você contribui com a consolidação do lumpemproletariado?) Um moço que acabou de comer duas tapiocas e dois cafés por apenas 3 reais se emociona:
-Esse é o melhor país do mundo!
-É.
Sem
nenhuma convicção. Difícil tolerar um surto nacionalista na barraquinha de café. Mas também não quero contribuir com a amargura do mundo, portanto não consigo tratar ninguém mal antes das 10 da manhã. Além disso, já estava saindo. O figura insistiu no seu irritante otimismo...
-Um ótimo dia pra você.
Aí quebrou minhas pernas. Tive que sorrir e desejar um bom dia para ele também. Quem era eu para contestá-lo?
Me fez bem, fiquei até mais contente. Muito bem, vamos lá. Passar no banco pegar dinheiro, dar aula, iluminismo, ih, comprar ração pro bichos, Revolução Francesa....
- Mocinha, encosta no outro caixa.
-Ahn?
- Melhor você ir pro outro caixa senão vai ficar pequeno pro teu lado.
Mudei de caixa. O cara armado.
- Saque o dinheiro.
Explosão. Fúria.
-Puta que o pariu, eu não acredito que você vai me roubar. Eu não tenho dinheiro, se tá ligado que você vai sacar meu limite de crédito, né? Se tá ligado que a essa hora na rua com cara de sono só tem trabalhador, né? Porra, vai se danar, vai roubar de quem tem grana, vai roubar de quem não tem? Não sou eu que tenho culpa.
- Fica calma, que não vai acontecer nada com você.
-Acontecer o quê? Eu não estou com medo de você. Eu estou com muita raiva . Olha aqui o saldo da minha conta. Tá vendo. Menos 32,00. Já tá negativo. Se entendeu que você tá roubando um dinheiro que eu não tenho? Que você tá roubando da pessoa errada?
-Fica calma, o banco vai te ressarcir.
-Não, não vai. Pega logo porra.
-Fica na miúda aí que tem outro cara me esperando lá fora.
-Vai se danar.
Desabei a chorar. Em 15 dias, saldo a menos: Um roubo, sendo itens roubados: Um computador, vale dizer que com meu projeto que seria entregue em dois dias, nele, e uma câmera fotográfica que mal tive tempo de aprender a mexer decentemente. Uma paixão perdida, e um assalto a mão armada. Alô, alguém tá tirando sarro da minha cara? São vocês produção? Prometo que não chego mais atrasada....
Choro continuamente. Para finalizar o quadro, estou de tpm. Tá difícil. Delegacia, B.O.
Mais fúria.
- Nome? Idade? Estado civil? Profissão? Características do assaltante?
- Cássia, 24, solteira, professora, para quê? O que você quer que eu fale? Negro, alto, cabelo crespo, e tinha entre 25 e 30 anos? Ou pardo, baixinho, com cara de nordestino entre 20 e 25?
Ele não insistiu. Relevou, tudo bem, eu estava nervosa, tinha o direito de ser/estar histérica.
No ponto de ônibus, com cara de choro. Chega um sujeito, fudido, roupa suja, chinelo de dedo encardido e vendendo sei lá o quê no ônibus. Olha para minha cara de desespero com o mundo, e começa a cantar olhando para mim.
- Deixa a luz do céu entrar, deixa a luz do céu entrar. Abre bem as portas do seu coração. E deixa a luz do céu entrar... Com Jesus! Deixa a luz....
Assim, começando a ter um acesso de pânico com tudo, simplesmente o olhei com a maior cara de desprezo que consegui fazer naquele momento e dei uma leve rosnada.
Lição do dia: Aprendi como as pessoas se convertem, a qualquer religião. Os pregadores e desesperados só precisam se encontrar. É só uma questão de tempo e espaço. E com a proliferação desses iluminados por deus, concomitante ao processo de concentração de fudidos por metro quadrado, o espaço logo deixará de ser empecilho, porque eles estarão em todos. Seremos uma nação com Jesus.
Já eu, vou para casa me esconder e ler mais um romance que o mundo aqui fora não tá fácil não.
Fecham-se as cortinas – Fim do Primeiro Ato.

2.11.06

Ninguém para o mundo, e alguém para a gente

Mergulhar na gente. Dias em que não se fala com ninguém. Falo sozinha e uníssona durante toda a semana. Me exponho o tempo todo diante de pessoas. Sou professora de seres que me olham constantemente com um ar de, quem é você? Quem eles acham que eu sou? O que pensam quando me olham? Sinto-me sempre como uma aberração. Trabalho em um meio masculino. Sou a exceção. E detesto me sentir vanguarda de uma imbecilidade como a conquista de espaços femininos no mercado de trabalho. Conseguimos o direito de sermos exploradas em todas as esferas. Bela conquista....
Mas quando passo o dia mergulhada apenas em mim também me dá certa sensação de aberração. A vida é uma só, portanto não dá para fazer um rascunho e melhorar depois. Além disso, sou única (para meu azar ou sorte) e não posso fugir do que sou. Responsável por tudo o que diz respeito diretamente a mim. Sentindo coisas de uma forma que só eu sinto e entendo, vendo o mundo sob a ótica de um constante daltônico que não compartilha o senso comum. E dessa forma, quem compartilha? Quem me diz que existem apenas dois universos, o dos normais e dos daltônicos? Quem garante que essas duas categorias dão conta que resumir a percepção das cores?
Assim, mesmo partindo do pressuposto que cada ser é um universo, mesmo quando distante dos olhos cotidianos que me estranham tentando captar minha subjetividade, eu me sinto estranha. Bizarra não no âmbito do inaceitável, mas daquilo que saiu da trajetória comum para aqueles que a percebem. Quando a estranheza de não me sentir daqui e nem de lugar nenhum bate, saio para andar e tomar uma cerveja sozinha. Saio para tentar perceber o mundo e sua estranhezas, e dessa forma, percebendo o estranho para o meu olhar, sinto - me parte do mundo, me integro.
Entretanto, trata-se de um exercício doloroso. Voltar-se demais para si é sempre muito doloroso. Sugere um egoísmo que só pode ser maléfico, mas que ás vezes coloca-se como necessário. Mas se me isolo, é para ver com atenção o outro. E entender o outro é também entender a si mesmo na medida em que dividimos as mesmas esquizofrenias do mundo, e reagimos de formas peculiares e padrões frente a elas. As formas padrões dizem respeito, por exemplo, a coerção do mundo do trabalho. Muita gente faz a mesma coisa ao mesmo tempo e está aí o trânsito que não me deixa mentir. Mas muita gente, quando sai desse universo, faz muita coisa dita esquisita também, no seu pequeno mundo, na sua micro esfera de relações.
Hoje, essas pequenas doideiras do mundo me saltaram aos olhos num curto espaço de tempo, na verdade o tempo de andar da minha casa até um bar. Na verdade, antes ia ao cinema. No ponto de ônibus, sozinha. Então, surge uma figura... completamente bêbada, falando sozinha, dialogando com coisas que só ela estava vendo. Falando despropósitos e eu, aparentemente, não existia naquele recorte de espaço-tempo em que ela estava. Passa uma evangélica padrão, do tipo cabelo muito comprido preso num rabo de cavalo com uma presilha de pérolas falsas e saião. Passa e começa a cantar músicas do seu culto quando tromba a figura bêbada (que nessa altura fazia sinal para um ônibus que só existia no seu universo paralelo. Ou será que eu e a crente é que não víamos o real? Quem tinha razão naquele ponto?)
A figura veio na minha direção. Medinho....
-Eu mexi com você?
- Não.
- Eu mexi com ela? Olha lá....
E a saiuda cantando hinos ao senhor.... continuou, olhava para trás e realmente demonstrava sua repreensão e desprezo para com a sua próxima, aquela de quem acabara de ouvir falar na Igreja.
Por fim um fusca azul calcinha parou e levou a breaca. Nessa hora, enquanto ela fazia um ar de acolhida, só conseguia me ver como sozinha. Tive raiva da crente e de mim. Parecíamos as mais infelizes da história. A supostamente desencaixada, tinha alguém que lhe buscasse. Ali, eu não tinha nada, e a crente tinha a sua fé. Dane-se o cinema....
Cerveja no bar vazio. Fiquei pensando o quanto as pessoas que por ali passavam achavam no mínimo esquisito o que para mim varia de indiferente a um grande prazer. Só não assumo que gosto de beber sozinha porque tenho medo da implacável genética que me vem a cabeça quando escuto a história de meu avô, tios e primos. Portanto, faço apenas quando me sinto mal o suficiente para não me importar. Gosto de ir para o boteco beber sozinha e ler, ou observar pessoas. Fiquei pensando o quanto eu, que acho que dou conta da vida apesar das tristezas, devo parecer uma louca aos olhos dos outros. Da mesma forma que achava a bêbada esquisita, da mesma forma que estranhei uma conversa no orelhão ali do lado, de um pai que aconselhava o filho a vir para São Paulo trabalhar, da mesma forma como estranhei ver um casal de aparentes dóceis velhinhos urrando um com o outro dentro do carro. Ufa.... preciso perceber a tudo para achar que está tudo bem. Para achar que dentro do possível, por mais que eu não esteja nos padrões de uma moça meiga e fofa, está tudo bem. Dessa forma, olhar o mundo, pelo menos para mim, é uma das boas formas de olhar e aceitar a si. Não de um jeito simplesmente resignado, mas perdoando-se. Perdoando-se por também, às vezes, não conseguir, fracassar. Querer muito construir algo mas não ir adiante e acabar voltando não um, mas 25 passos para trás sem avançar nenhum. Acontece. Também não é tão precioso assim. Talvez banalizar um pouco. Não consegui e preciso pensar sobre isso.Vivemos em um mundo de pessoas que não conseguiram. Solidarizar-se com o outro, é solidarizar-se conosco. E com todos aqueles que sofrem pelos vieses desse mundo completamente torto. Não se trata de mérito. Mas de consolo. Da impressão de que, dentro do possível, está todo mundo sempre tentando fazer o melhor que dá.