3.11.06

Essa é mais uma cena do espetáculo tragicômico mexicano: A vida andou passando a mão na minha bunda.


Hoje estou acreditando no sobrenatural, em zica séria. Já dei uma passadela na memória dos últimos dias, para ver se andei sacaneando alguém. Não... aparentemente ninguém puto comigo. Então deve ser mesmo a minha falta de fé. Só pode ser falta de deus no coração e ele tá me testando... Sacana, tentando me convencer a qualquer custo.

Seis da manhã. Gosto muito de dar aula em Mauá. São meus proletas favoritos. Mas às 6 da manhã não se pode gostar de nada. Café naquelas banquinhas na Paulista (por que comprar no comércio formal, se você pode comprar no informal que além de mais barato, é caseiro, portanto mais gostoso, e você contribui com a consolidação do lumpemproletariado?) Um moço que acabou de comer duas tapiocas e dois cafés por apenas 3 reais se emociona:
-Esse é o melhor país do mundo!
-É.
Sem
nenhuma convicção. Difícil tolerar um surto nacionalista na barraquinha de café. Mas também não quero contribuir com a amargura do mundo, portanto não consigo tratar ninguém mal antes das 10 da manhã. Além disso, já estava saindo. O figura insistiu no seu irritante otimismo...
-Um ótimo dia pra você.
Aí quebrou minhas pernas. Tive que sorrir e desejar um bom dia para ele também. Quem era eu para contestá-lo?
Me fez bem, fiquei até mais contente. Muito bem, vamos lá. Passar no banco pegar dinheiro, dar aula, iluminismo, ih, comprar ração pro bichos, Revolução Francesa....
- Mocinha, encosta no outro caixa.
-Ahn?
- Melhor você ir pro outro caixa senão vai ficar pequeno pro teu lado.
Mudei de caixa. O cara armado.
- Saque o dinheiro.
Explosão. Fúria.
-Puta que o pariu, eu não acredito que você vai me roubar. Eu não tenho dinheiro, se tá ligado que você vai sacar meu limite de crédito, né? Se tá ligado que a essa hora na rua com cara de sono só tem trabalhador, né? Porra, vai se danar, vai roubar de quem tem grana, vai roubar de quem não tem? Não sou eu que tenho culpa.
- Fica calma, que não vai acontecer nada com você.
-Acontecer o quê? Eu não estou com medo de você. Eu estou com muita raiva . Olha aqui o saldo da minha conta. Tá vendo. Menos 32,00. Já tá negativo. Se entendeu que você tá roubando um dinheiro que eu não tenho? Que você tá roubando da pessoa errada?
-Fica calma, o banco vai te ressarcir.
-Não, não vai. Pega logo porra.
-Fica na miúda aí que tem outro cara me esperando lá fora.
-Vai se danar.
Desabei a chorar. Em 15 dias, saldo a menos: Um roubo, sendo itens roubados: Um computador, vale dizer que com meu projeto que seria entregue em dois dias, nele, e uma câmera fotográfica que mal tive tempo de aprender a mexer decentemente. Uma paixão perdida, e um assalto a mão armada. Alô, alguém tá tirando sarro da minha cara? São vocês produção? Prometo que não chego mais atrasada....
Choro continuamente. Para finalizar o quadro, estou de tpm. Tá difícil. Delegacia, B.O.
Mais fúria.
- Nome? Idade? Estado civil? Profissão? Características do assaltante?
- Cássia, 24, solteira, professora, para quê? O que você quer que eu fale? Negro, alto, cabelo crespo, e tinha entre 25 e 30 anos? Ou pardo, baixinho, com cara de nordestino entre 20 e 25?
Ele não insistiu. Relevou, tudo bem, eu estava nervosa, tinha o direito de ser/estar histérica.
No ponto de ônibus, com cara de choro. Chega um sujeito, fudido, roupa suja, chinelo de dedo encardido e vendendo sei lá o quê no ônibus. Olha para minha cara de desespero com o mundo, e começa a cantar olhando para mim.
- Deixa a luz do céu entrar, deixa a luz do céu entrar. Abre bem as portas do seu coração. E deixa a luz do céu entrar... Com Jesus! Deixa a luz....
Assim, começando a ter um acesso de pânico com tudo, simplesmente o olhei com a maior cara de desprezo que consegui fazer naquele momento e dei uma leve rosnada.
Lição do dia: Aprendi como as pessoas se convertem, a qualquer religião. Os pregadores e desesperados só precisam se encontrar. É só uma questão de tempo e espaço. E com a proliferação desses iluminados por deus, concomitante ao processo de concentração de fudidos por metro quadrado, o espaço logo deixará de ser empecilho, porque eles estarão em todos. Seremos uma nação com Jesus.
Já eu, vou para casa me esconder e ler mais um romance que o mundo aqui fora não tá fácil não.
Fecham-se as cortinas – Fim do Primeiro Ato.

5 comentários:

Angelamô disse...

Cachó, querida
Vem pra casa que a guerra vai estourar, ou já estourou.
Se precisar de abrigo...
Beijo

Anônimo disse...

Puts...
Cá, posso te roubar um pouquinho, e te tirar da chuva, e trocar sua roupa, e secar seu cabelo com uma toalha macia, e te fazer um chá quente com bolo, e deixar vc quietinha aqui no meu peito, e te esquentar dentro de mim, e buscar histórias do perrault pra te contar, e te emocionar de leve, de leve mesmo, com essa leveza que o mundo não sabe mais ter?
e Será de verdade...

Anônimo disse...

Conheço um poema do Drummond, que acho que vem ao caso. Chama-se Consolo na Praia, do livro A Rosa do Povo.

CONSOLO NA PRAIA

Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

disse...

Maré de azar? Duvido. Viver é que é muito perigoso (já dizia Guimarães).

Anônimo disse...

Oi Cassia!
Achei seu blog! Nunca tinha procurado muito, até mesmo porque estou entrando aos poucos nesse mundo estranho de zero e um tudo junto...
Gostei muito dos seus textos, li vários.
Parabéns!
Um beijo,
Patchu