31.5.09

O toyotismo e o prazer ...


Me impressionam todas as contradições da vida que levamos. A irritação vem primeiro por percebê-la e depois por não entender qual é a graça... Não posso ser o parâmetro mas esse bando de gente que anda por aí se comportando de forma tão igual também não pode não...


Ocorre é que equipamentos digitais de registro me causaram uma raiva tão grande de pessoas que nem eu acreditava... Pensa só: A maioria das pessoas, principalmente os jovens, passam a vida idolatrando a tecnologia, o novo, o moderno, aquilo que realiza mais rápido, quebrando a maior parte possível das etapas tradicionais do processo. Tudo é pelo novo, pelo instante.


Mas ao mesmo tempo, o fascinante também é guardar, preservar, evitar que se perca. Tudo é tão fugaz e superficial que perdem a sacralidade. O prazer não é estar ou viver... mas poder mostrar e provar que se esteve e se viveu.


É mais ou menos como estar diante de um puta show, com o Mano Brow e outros cantando na sua frente e a galera ficar mais preocupada em filmar e fotografar do que em aproveitar a parada. E é claro que não se tratam de uma ou duas fotos, nem de um minutinho de filme. Trata-se de ficar o show inteiro com a porra da maquininha levantada na sua frente e ainda me proporcionando caras feias. Afinal, eu estava dançando e atrapalhei uma bela filmagem quando esbarrei no ser que quase subia na minha cabeça para enquadrar melhor o palco no seu belo celular hara-hara.


Sinceramente não aguento mais ir a shows ou qualquer espaço com um bando de japoneses toyotistas de espírito. Com a lógica da produtividade: Preciso ser útil, preciso aproveitar tudo, não posso deixar esse momento ser único em minha vida... Quero revivê-lo amanhã, e depois e depois e mostrar para todo mundo o que sou capaz de fazer e como minha vida é interessante.


Qual o problema de ver uma única vez daquela forma? Cada vez que o Mano Brow subir no palco vai ser de um jeito. Não é isso o fascinante?

Não. Ando achando que para um galera bem grande, o legal são as capacidades tecnológicas de seus respectivos equipamentos casas bahia. Foda-se a arte, bacana é como minha câmera é capaz de guardá-la só para mim....


28.5.09

Os melhores documentos...

E o samba nos conta as histórias que os historiadores esqueceram de contar...

Brincadeira de Angola
Sérgio Ricardo e Francisco de Assis

No tempo em que o negro era escravo
E o branco era senhor
Tanta coisa se escondia
Assim como angu quente no tacho
Tem sempre carne por debaixo
O negro dava duro e tudo se escondia
Um valor noutro valor

De demo chamaram Exu
Nossa Senhora, Yemanjá
São Roque foi Omulu
Senhor do Bonfim,
Oxalá
Epa babaê

Nesse tempo se passou
A história que eu vou contar
De um senhor que se sorria
De ver os negros brincar

Angola eh eh
Angola eh eh
Angolá

Senhor dom Pedro Amaral
Chamou a senhora mulher
Vem ver os negros brincando
De dançar lá no quintal

Eh Eh Eh Eh
Aruandê, camará
Galo cantou, camará
Cocoricó, camará

Meu feitor que aqui tem ordem
Gritou dom Pedro Amaral
Bota o negro a bater milho
No meio do milharal

Ô Ô Ô Ô
Quebra milho como gente, macaco
Macaco que quebra dendê, macaco

Senhor dom Pedro Amaral
Chamou a senhora mulher
Vem ver o negro safado
Me olhando do jeito que quer
No tempo em que o negro era escravo
E o branco era senhorNem sempre tudo se escondia
E vem dom Pedro Amaral
Com seu feitor e rabo de tatu
Dizendo para o negro

-Eu te mato, moleque
E o negro moleque é tu
-Cala a boca, moleque
-Moleque é tu
-É tu que é moleque
-Moleque é tu

São dois pra bater no negro
De páu, chicote e facão
Pra se safar tem o negroSó dois pés e duas mãos
É a mão pelo pé
É o pé pela mão
Bate na cara
Derruba no chão

-Me acuda aqui seu feitor
que esse negro me esfola
Está quase a me matar
Na brincadeira de Angola

-Te mato, negro vagabundo
E o negro some no mundo
-Vamo simbora eh eh
Vamo simbora camará

Pro mundo afora eh eh
Pro mundo afora camará
Dar volta ao mundo eh eh
Voltar no mundo camará

Angola eh eh
Angola eh eh Angola
Capoeira.

25.5.09

E foi por essas que virei professora...

Eles são todos mais velhos que eu.... Alguns bem mais velhos...
Toda semana, duas vezes, nos encontramos pra ler, discutir, dar risada e escutar um pouco da vida de cada um.
Se chego triste eles me alegram. E por isso pensam que eu sou umas das pessoas mais sorridentes do mundo. Me dizem isso o tempo todo....

Dificilmente se tem a opção de não falar. Ser professora é se expor todo dia. Todos olham para o seu rosto, suas expressões, percebem o seu tom de fala... E eu sempre quero ser o meu melhor, quero que eles me vejam bem, quero que saibam que estar ali com eles é muito importante para mim porque eles são pessoas muito importantes e atraentes como seres humanos.

Mas tem dias em que não se quer falar. Ou melhor, não se consegue.

Tentei dar um truque, passar texto.... Eles perceberam.
Queriam saber se estava tudo bem. Disseram que eu parecia triste, estava estranha...
Negava com uma baita vontade de chorar. Vontade de falar para eles que minha vida - mesmo não parecendo- vez por outra também era bem complicada. Que eu também tenho minhas dores....

Os olhos marejados.... O peito quase explodindo em soluços... e eu mentindo.
Era só uma chateação de segunda-feira, uma dorzinha de cabeça. Me desculpei. Pedi para que eles, somente hoje, se limitassem a copiar um texto. Sem discussão.

Fim da aula e o olhar de Beth, figuraça. Agradeceu a aula como ela faz sempre. Depois me desejou melhoras, disse que dor de cabeça é chato mesmo e que eu fico mais bonita sorrindo. Como sempre.

Prometi que ia melhorar e fui embora. Quando minha vontade era contar para ela quantas e quantas vezes o sorriso que trago não é meu. Que eu sorrio é para ela. Que o sorriso é dela. Da Beth, do Zé, da Glória, da Fátima, do Paulino....

Meu mesmo, só a letra feia da lousa. E esse nó no coração que tanto tem me custado desatar.

Canseira....

Adiamento

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir...

Álvaro de Campos

13.5.09

Mais uma do poetinha...


E do seu parceiro Baden Powell. Aliás, o que seria da vida sem os parceiros?


Berimbau\ Consolação

Quem é homem de bem, não trai
O amor que lhe quer seu bem
Quem diz muito que vai, não vai
E assim como não vai, não vem
Quem de dentro de si não sai
Vai morrer sem amar ninguém
O dinheiro de quem não dá
É o trabalho de quem não tem
Capoeira que é bom, não cai
E se um dia ele cai, cai bem!
Capoeira me mandou
Dizer que já chegou
Chegou para lutar
Berimbau me confirmou
Vai ter briga de amor
Tristeza, camará


Se não tivesse o amor
Se não tivesse essa dor
E se não tivesse o sofrer
E se não tivesse o chorar
Melhor era tudo se acabar

Eu amei, amei demais
O que eu sofri por causa do amor
Ninguém sofreu
Eu chorei, perdi a paz
Mas o que eu sei
É que ninguém nunca teve mais
Mais do que eu

11.5.09

Ufa... a gente muda...

Quem disse que os gostos não mudam? Que os momentos da vida não mudam? Que as vontade não mudam?

Antes, quando eu era mais jovenzinha e tão confusa quanto, tudo o que eu queria era não depender de ninguém: nem do amor nem do dinheiro. Aliás, era capaz de fazer cara de nojinho quando um moço, mesmo que por brincadeira, me sondava pra casamento...

Mas ontem, sentada numa varandinha de um rancho de beira da estrada que podia ser da minha casinha em marambaia e olhando a lua cheia, falando da vida, me deu vontade de querer o que ainda não sei se quero.

Conversas de casa, casamento... Ouvi baixinho: "Eu vou casar com você."
Risadinhas depois da brincadeira... ele queria ver minha cara. Saber se ainda fica feia....

Não ficou. Ele percebeu. Eu percebi.

A vida anda e as coisas mudam... O desejos não são mesmo mais os mesmos...

Me veio uma daquelas vontades caretas de ser muito louca e mandar meu mundinho pseudo auto- suficiente para longe. De precisar viceralmente de alguém.... E esperar com a janta pronta na mesa e a cama posta pro descanso e pro amor...

Mulherzinha né? Pode ser, pode ser... Mais uma daquelas coisas no mundo que é muito mais fácil ser e gostar de ser do que admitir que se gosta....

6.5.09

Saravá meu rei...


O Vinicius foi meu primeiro poeta e sambista. Eu devia ter uns 14 anos quando o conheci e me apaixonei. Soneto de fidelidade, samba da benção, canto de ossanha, para uma menina como uma flor e por aí vai.... Depois arranjei um companheiro de bebedeira, amor e vinicius e então passavamos tardes cantando com o poetinha. Sempre fui meio trágico-romântica e sempre adorei o ar de amor melancólico meio ébrio do sujeito. E nunca o vi como um machista mas como um grande admirador das mulheres. Um amador. Não gosto de nenhum outro poeta que amou tanto suas mulheres de forma tão viva e concreta. Não são poesias de abstração, são de carne. Eu também já gostava de beber e escrever umas besteiras e ele era o ser vagabundo que alimentava minhas tristezas com a vida e com o amor... Hoje peguei umas músicas dele e fiquei lembrando desse encontro. Um dos grandes encontros pela vida..
Samba Pra Vinícius

Poeta, meu poeta camarada
Poeta da pesada,
Do pagode e do perdão
Perdoa essa canção improvisada
Em tua inspiração
De todo o coração,
Da moça e do violão, do fundo,
Poeta, poetinha vagabundo
Quem dera todo mundo fosse assim feito você
Que a vida não gosta de esperar
A vida é pra valer,
A vida é pra levar,
Vinícius, velho, saravá
Poeta, poetinha vagabundo
Virado, viramundo,
Vira e mexe, paga e vê
Que a vida não gosta de esperar
A vida é pra valer
A vida é pra levar
Vinícius, velho, saravá
A vida é pra valer
A vida é pra levar
Vinícius, velho, saravá

4.5.09

Sorri seus dentes de chumbo...

A solidão independe completamente da quantidade de pessoas que estão ao seu lado. Falo muito da solidão, sinto ela sempre por perto. Tantas pessoas lindas do meu lado... tanto amor... E essa solidão eterna aqui martelando.

A solidão talvez me seja uma daquelas caraterísticas que já fazem parte do ser no mundo. A alegria está de vez em quando, a ciumeira que me atormenta dá para pelo menos tentar administrar...
Mas a sensação de eterna solidão não... E não se resolve com nada. Nem com os melhores amigos que eu podia ter arranjado na vida. Nem se um dia o amor me fosse correspondido e pleno. Nem com milhões de pessoas na sua casa.

Só se é. E talvez para sempre....

1.5.09

Aniversários...

Todo ano eu prometo que vou fazer diferente e tentar ter um aniversário tranquilo. Talvez o mais próximo que eu consegui foi um ano em que fui para a praia com três parceiros e só quase morri afogada. De resto eu sempre apronto, bebo demais, choro... Acho que a super atenção me deixa mais sensível e besta do que eu já sou. Queria só terminar a noite rindo e indo para casa com que eu gosto.
Mas como acabei de ouvir: dei um tiro no pé.
Eu sou boa nisso.

Principalmente no dia do meu aniversário.