29.11.07


Fui muito educada pela dor. Pelo menos é assim que minha memória coloca as coisas. Realmente nunca achei a alegria muito pedagógica. Nem nunca gostei muito de gente muito feliz. Achava-as medíocres. Como podiam parecer tão alegres em um mundo tão ruim? Será que só a minha vida era uma merda?
Minha alegrias momentâneas sempre foram os resultados da dor, seus produtos. Tentar ser artista quando ainda era jovem, escrever, ler, beber, ter relações confusas que acabavam em reencontros calorosos... Tudo muito. Tudo intenso. Não tinha medo não. Não tava nem vendo porque tudo valia a pena.

Sempre preferi a dor ao tédio. Sempre achei que podia ser mais forte do que ela porque a sensação de superação, deixava um ar de heroísmo. Era como se o tempo todo eu dissesse: Pode vir, mas vem com toda a força porque não é qualquer merdinha que me derruba. E não derrubava. Podia me jogar na lona por uns dias, mas dali a pouco, lá estava eu caçando confusão. Andando com gente errada. Brigando até as lágrimas. Provocando deuses e pessoas.

Mas acho que cansei. Não da tristeza, porque ela é minha e sempre vai ser. Nunca vou saber viver sem ela. Nunca vou ser alegre. Não seria eu, seria outra que faria outras coisas, de outra forma. Mas cansei de tentar ser maior do que ela. Depois de anos de árduas batalhas, perdi e não quero mais brincar. Quero que ela saiba que perdi e assim me deixe em paz, fique quieta, ali no cantinho dos que existem, mas nem sempre são lembrados.

Ontem ouvi uma voz da sapiência que me perguntou: Por que você se castiga?
E hoje li um texto de alguém que me faz muita falta que falava de medo. Medo da morte.
No fim, o medo explica muita coisa.
Sempre tive muito medo da morte em vida. Daquela morte lenta que se constrói todo dia. De ficar anestesiada, transparente no mundo, burocrata com a emoção.


Talvez a felicidade me passe essa idéia. De que estar feliz é estar morrendo para todo o resto. É acomodar-se e definhar no desejo satisfeito. Parar de buscar saídas, coisas novas, alegrias intensas momentâneas e que trazem a ressaca da dor que ensina.

Meu amor da pequena Londres... Como estou errada e cansada disso tudo. Como eu queria agora estar frágil, fraca e feliz no teu colo. Sem superar nada...

Queria só que nosso sal compartilhado, redimisse nossa tristeza e nos desse a mediocridade dos que riem feitos bobos para o mundo. Só isso. Besta assim.

23.11.07

Como a noite descesse...


Como a noite descesse e eu me sentisse só, só e desesperado diante dos horizontes que se fechavam
gritei alto, bem alto: ó doce e incorruptível Aurora! e vi logo
só as estrelas é que me entenderiam.

Era preciso esperar que o próprio passado desaparecesse,
ou então voltar à infância.
Onde, entretanto, quem me dissesse
ao coração trêmulo:
- É por aqui!

Onde, entretanto, quem me dissesse
ao espírito cego:
- Renasceste: liberta-te!

Se eu estava só, só e desesperado,
por que gritar tão alto?
Por que não dizer baixinho, como quem reza:
- Ó doce e incorruptível Aurora...

se só as estrelas é que me entenderiam?

Sobe
Emilio Moura

21.11.07

O Rio continua lindo...

Pois é... O Rio, além de lindo dá dessas... 500,00 paus e você sai limpo da delegacia, de onde você também ligou para pedir o resgate. Reprimir classe média (principalmente a alta) nos termos da lei não dá e não compensa: Se matar, o pai e mãe fazem passeata pela paz, pela redução da menoridade penal, a favor da pena de morte e o escambau.

Se levar para a delegacia, em meia hora tem um advogado, "dotô", que vai lá, humilha, faz um escarceu e solta o menino porque filho de pobre é viciado e ladrão, portanto tem que ir preso. Já filho de classe média e rica vai para a clínica de recuperação.

E nessa a galera, quer dizer, os puliça, resolvem aplicar sua própria punição que além de dar menos trabalho e dor de cabeça, ainda rende o complemento do orçamento. E desconfio que, em termos de "eficiência" pedagógica, até funcione melhor.
Cada um correndo como dá... Uns pagando pra não ter preocupação. Outros recebendo pelo mesmo motivo... E ainda ficando momentaneamente menos pobre ...
Até aqui nenhuma novidade... Mas é que escutar uma história assim, em primeira pessoa vivida e experimentada, num churrasco de amigos, sempre faz pensar de que lado que a gente tá mesmo no mundo... Goste ou não.
E quando ferver, não vai adiantar levantar bandeirinha de socialista não ....
O que é o que é??

Clara e salgada,
cabe em um olho e pesa uma tonelada,
tem sabor de mar,
pode ser discreta,
inquilina da dor,
morada predileta.,
na calada ela vem,
refém da vingança,
irmã do desespero,
rival da esperança,
pode ser causada por vermes e mundanas
ou pelo espinho da flor,
cruel que vc ama,
amante do drama,
vem pra minha cama,
por querer, sem me perguntar me fez sofrer,
e eu que me julguei forte,
e eu que me senti,
serei um fraco,
quando outras delas vir,
se o barato é louco e o processo é lento,
no momento,
deixa eu caminhar contra o vento,
do que adianta eu ser durão e o coração ser vulnerável,
o vento não, ele é suave, mas é frio e implacável,
(é quente) borrou a letra triste do poeta,
(só) correu no rosto pardo do profeta.
Verme sai da reta,
a lágrima de um homem vai cair,
esse é o seu B.O. pra eternidade,
diz que homem não chora,
ta bom, falou ou vai pra grupo irmão ai
Jesus chorou !

O post é repetido... como a minha vida.

19.11.07


O Silêncio

Na sombra cúmplice do quarto,
Ao contacto das minhas mãos lentas
A substância da tua carne
Era a mesma que a do silêncio.
Do silêncio musical, cheio
De sentido místico e grave,
Ferindo a alma de um enleio
Mortalmente agudo e suave.
Ah, tão suave e tão agudo!
Parecia que a morte vinha…
Era o silêncio que diz tudo
O que a intuição mal advinha.
É o silêncio da tua carne.
da tua carne de âmbar, nua,
Quase a espiritualizar-se
Na aspiração de mais ternura.


Dá-lhe grande amigo Bandeira...

Fiquei encanada com esse quadro (O Beijo- Gustav Klimt)... Aparece no filme "El passado". Bem bonito o quadro e o filme. O quadro inspira aquela vontade de viver tudo, loucamente. Mas o filme te deixa com a sensação de que o presente tem um custo: Ele se torna seu passado. E quando fizer parte do seu passado, não tem mais jeito porque, mesmo que só na memória, não nos livramos mais dele... Uma hora ou outra, o passado se faz presente.


15.11.07

Então é natal...


Pois é... chegou de novo. Adoro as renas e a neve que domina a região da Paulista... Dá assim um ar civilizado, meio primeiro mundo pra gente. Só povinho subdesenvolvido mesmo para passar o natal no calor, tomando cerveja e fazendo churrasco.
Além disso, legal é a quantidade de coisas inúteis que todo mundo compra no Natal... Aquela festa de 13º salários se apertando na 25 de março, pessoas disputando a tapa bonecas que fazem xixi ... E o companheiro agente inflitrado do socialismo de mercado chinês, Law King Chong enchendo as burras de grana.

Bacana também no natal, é um certo surto de bondade e solidariedade nas pessoas... A polícia Federal por exemplo fica muito solidária e louca para distribuir renda, principalmente a de chineses que garantem o abastecimento das pechinchas e alegrias do natal.
Os caras prendem o chinês, apreendem uma caralhada de coisas fundamentais para o espírito natalino como bolsas chanel falsificadas e carrinhos de controle remoto que sobem paredes. Aí eles já fazem o Natal da mulher e das crianças da casa deles.
E o que sobra, o Estado doa para ong's, de forma que elas possam organizar bazares, e as pessoas mais pobres possam comprar, comprar, comprar.... E serem felizes também. Assim, o capitalismo se transforma um pouquinho mais em para todos. No natal as promessas se realizam. O nascimento do menino jesus e as roupas novas, redimem qualquer merda de ano.

É por isso que eu adoooorrroooo o natal... é quando mais de verdade se vê que quando os ricos gastam mais, os pobres sofrem menos.
O medo é que enclausura as pessoas. É ele que faz todo mundo viver nisso aqui e achar que tudo bem. Ele delimita até onde podemos ir. Dos nossos termomêtros, ou faro, é um dos que mais costumam ser respeitados.
O medo me lembra também uma animalidade incrível. Gente com medo faz besteira, fica arisco que nem bicho acuado. Medo dá frio no estomâgo, dá vontade de chorar e sair correndo para que aquela tortura acabe. Ele é a tortura em si.
Medo pode ser promovido por um fator coletivo, mas ele só pode se realizar individualmente. Só eu tenho aquele medo específico, sentindo-o do meu modo e provocado pelas minha trajetória, minhas histórias e marcas. Muitas pessoas compartilham medos genericamente, tipo medo de barata. Mas só eu sei qual é o tamanho da minha barata. A minha existência condiciona meu medo.
Sempre temos algumas sensações de infância que voltam... A minha pior sensação dessa epóca da vida, é o medo.
Depois que o medo foi passando na exata proporção em que a idade foi aumentando, fiquei folgada. Sabe quando você acha que já passou o pior medo da sua vida e que se sobreviveu, então não há mais nada que possa realmente te assustar?

Pois é, mais uma que eu me enganei.

Tipo achar com 4 anos que com 10 anos você vai ser super grande.
Que com 20 anos você vai ser mais tranquila, quando se tem 14.
E que achar que sentimento cria imunização, tipo rubeóla, aos 25.

12.11.07

Contenção

Sempre fico meio triste quando acabo um romance... É besteira, mas durante um tempo, eles viram meus amigos, meus companheiros de vida e busão. Começo a viajar como tal figura se sairia em x situação. Aprecio alguns valores dos personagens e detesto outros, prometendo sempre não fazer igual. Enfim, por meio do mundo criado pela narrativa do romance, acabo por entender um pouco mais minha própria narrativa...

Hoje o Martin Eden me abandonou. Fazia exatamente um mês que divídiamos angústias. Tentei economizar as últimas páginas, reduzi o ritmo de leitura, me afastei durante uma fase de leituras obrigatórias, li um outro romance mais curto no meio... Mas não deu. Hoje fiquei ansiosa para saber como ele solucionaria a vida que ele se esforçou tanto, todo o livro para conseguir.

E foi uma tristeza só ...

Tudo o que ele queria não passavam de coisas vazias. O amor que ele achava que sentia, na verdade era a idealização criada sobre uma mulher "pálida e burguesa", egoísta e que o abandonou quando ele mais precisava. Quando a fama chegou, quando ele se tornou "rico, bonito, famoso e solteiro", a imbecil voltou, confirmando a menina idiota e mimada que sempre foi e a idéia de que a pessoa amada por ele, na verdade, nunca existiu.

Sempre admirei e respeitei bastante os suicidas. Principalmente os suicidas ditos "vitoriosos". Eles escolheram, não tem porque não ser um decisão digna como as outras...

No outro romance que intercalou as aventuras do rapaz em questão, existia o Miguel que ficou comigo só alguns dias... Ele era quase um suícida. Passou a vida sofrendo por achar que amava e se casou com uma mulher que sempre gostou de outro. Preparou a partida para uma segunda - feira, e só então se deu conta de que a data foi escolhida porque era depois do futebol de domingo... E então desistiu.

Miguel não era um suicida. Era só um infeliz incapaz de lidar com o amor. No fim, se descobre que sua mulher o amava muito. Ele é que só era capaz de acreditar no que lhe alimentasse o pessismo.

Mas o Martin Eden não buscava motivos para ser infeliz. Ao contrário. Lutava com todas as patinhas por coisas que acreditava que lhe fariam feliz. Era pobre, fudido e queria ser escritor e ganhar dinheiro só para poder casar com a imbecil que não foi capaz de nada para lhe retribuir todo o amor que ele lhe destinava. Dizia que o amava, mas não bancou o universo diferente e mal visto ao qual ele pertencia. E, não aceitar o universo do outro e pior, tentar mudá-lo, é gostar de alguém que não existe.
Enfim, o vazio foi maior do que o gosto nas coisas que possuía a sua volta: dinheiro, fama, mulherada pra todo o lado...

Mas esse mundo não é feito de Martin Edens e sim de Migueis.

E a pergunta que me ficou na cabeça: Até quando o futebol de domingo vai continuar segurando essa vida?

Respeito realmente os suicidas. Acho sinceramente bem fácil entender os que se vão... Interessante realmente é entender como, nesse mundo, tantos ficam ...

Qual é o futebol de domingo de cada um?

9.11.07

Viva a butecada!

Butecada que é butecada tem que ser no bar de algum Seu João ou seu Zé. Geralmente um tiozinho figura que faz parte do cenário do buteco, junto com as conservas de queijo no óleo, e os pacotinhos de torcida.

Dar uma butecada só com mulheres tem suas especificidades. Butecada feminina tem sempre o fator exótico que deixa tudo meio bizarrão. Uma mesa só de mulher nunca passa impune no buteco.
Butecada de mulher, principante depois da oitava garrafa quando todo mundo começa a falar alto, chama a atenção daqueles figuras que vão todo santo dia no Seu João, portanto nós, e não o buteco, somos a quebra da rotina. Daí os figuras querem pagar cerveja, recitam poema no meio da rua, vira uma festa...
A gente já tá falando alto de sexo, silicone, crianças, universidade pública e vai embora...
Butecada que é butecada termina com as mocinhas saindo, visivelmente embriagadas, empolgadas com a discussão sobre a privatização do mundo e soltando aquela fascistada etílica, xingando os estudantes da FFLCH de vagabundos, só pra finalizar a conversa.

Esbarra em um samba.

E faz a gente acordar de ressaca achando que era mesmo o melhor a se fazer naquele fim de tarde.
Tenho achado bonitinho tanta coisa que eu não achava...
Será que estou ficando mais velha?
Ou mais tolerante?
Ou mais bundona?
Ou tudo, no fim, quer dizer a mesma coisa?

7.11.07

Tchuva cai, o porco mete, dá uma tristeza na gente...

Sempre se leva pessoas pela vida... aquelas que apesar de distantes, sempre te trazem lembranças, coisas boas, vontade de ver.
A Dani Doms é uma delas. Esse era o nome artístico de uma das minas mais do caralho que eu conheci. Forte, bonita, sensível.
A Dani me protegia na escola quando eu arranjava encrenca. Vai lá pro ginasião pra ver se o bicho não pega...ainda mais pra mim que era, digamos, um pouco odiada. Depois melhorou, mas quando eu fui pra lá, a fofinha que vinha da escola particular de volta para o Estado... hum... problemas de classe mesmo.

Os fudidos X classe média limbo.

Jogaram minha carteira na privada do banheiro masculino imundo na primeira oportunidade. A vida é essa bosta assim. As coisas tomam esse rumo. Eu virei universitária. As moças viraram caixas de supermercado.
Mas quando a Dani veio para me fazer companhia fiquei folgada. Arranjava tretinha, pagava de muita louca, porque sabia que ela trincava comigo. Sempre. Nós duas.
Todo dia eu andava um dez minutos a mais só para passar na casa dela. Casa de fumantes onde tinha o café da tia Vilma e, na falta de recursos, um delicioso Continental roubado do digníssimo Vardão, ou como é mais conhecido, o Vardão da Sabesp.

A vida andou, eles ficaram mais juntos, eu tomei um rumo diferente.

E hoje, quando li o blog da companheira (http://insipidoeinodoro.blogspot.com/), me deu uma saudade grande de tudo. De quando a gente enchia a cara na pastelaria pra não morrer de tédio. Li essa frase do título e me veio toda a nostalgia do que é morar em Piedade. Da melancolia. Do não ter o que fazer. Do ser meio roça meio cidade.

Dani, bom saber que você está mais perto. E valeu por ainda lembrar dessa peróla do tempo que a gente se enxergava um no outro.

5.11.07

Nossa catchola, como você é ranzinza.... passou, passou... não faz drama vai, também não é assim...

Era isso o que eu queria escutar... esquizofrênica que sou, falo para mim mesma....
Vixê.... São 5 horas da manhã, de uma segunda -feira, e já estou sentada na frente do computador. Daqui há 3 horas horas entrego um trabalho e faço prova.

Sou absolutamente incapaz de fazer qualquer coisa útil e racional depois das 10 horas da noite... E mais incapaz ainda de recusar uma cervejinha com amigos depois de uma tarde infernal e 2 horas de discussão inútil sobre a historiografia da Guerra do Paraguai.

É isso. Agora bota na minha conta. Eu pago. Essa tem sido minha filosofia de vida já faz um tempinho. Estou fazendo merda? Foda-se, bota na minha conta. Se eu não aguentar, parcelo num super crediário estilo Casas Bahia... Demora, pago uns juros, mas tudo bem. Ninguém morre por essas. Talvez aprofunde o alcolismo, mas morrer não morre não.

Bom, no fim, não sei o que é mais imbecil: Eu, o ser sem disciplina. A Licenciatura que é inútil. A Guerra do Paraguai sem imperialismo britânico segundo revisionistas mal intencionados.

Enfim... leve raiva de tudo.

Mais ainda da cafeteira que passou dois dias ligada (porque eu esqueci), torrando o restinho de café do fundo, o que virou uma crosta que simplesmente a inutiliza.


Olá Mundo.... boa semana para você também...

2.11.07

Dia dos mortos...

Hoje é feriado de Finados. Feriados só me dizem respeito quando posso pensar sobre o que fazer deles. Hoje trabalhei. Portanto não foi feriado... Apenas os ônibus demoraram mais para passar.

Depois de me sentir um tanto quanto desgraçada pela manhã, fiquei lembrando da conversa levemente pesada que tive ontem com a minha mãe. É o primeiro dia de finados em que ela se preocupa em arrumar o túmulo da mãe... Uma mãe da qual ela nunca se separou. Quando casou, fez um puxadinho no quintal. Quando construiu uma casa, fez na extensão do terreno. E quando construiu uma maior e mais distante 10 minutos a pé, fez uma casa nos fundos e levou os pais que já estavam mais velhos e desfeitos do bar em que trabalharam durante anos.
Enfim, ela estava especialmente sofrida. Pegou a foto e as flores para decorar o lugar onde minha vozinha está enterrada, e passou o dia de ontem, mais provavelmente o dia de hoje sofrendo por ter que lidar com a materialidade da morte.

Mas então por quê?

Hoje é um dia para, por meio da lembrança e da ida ao cemitério, mantermos presente os que se foram. Como se eles fossem ficar infelizes caso não fossem lembrados. Ou mesmo, viessem puxar o pé de alguém...


Entendo o sofrimento e o ritual da dor. Depois que a gente vem para a universidade virar intectuário e alcólatra, o simples foda-se qualquer, religião, jesus cristo ou o caralho, não contemplam mais. A gente quer tocar foda-se, mas também quer entender.

E eu não tenho mais nem idade para falar isso para a minha mãe. Não tenho mais 15 anos e nem vontade de ficar fazendo outro tipo de pregação, no caso, convertê-la ao ateísmo.

Mas sem querer, num surto de indignação, acabei voltando a ser, para a minha mãe, a adolescente passa mal... acho que eu nunca deixei de ser na verdade.

Ela me falando e chorando... relatando como era difícil, que era foda e traus, que foi ruim ir pegar flores e lálálá...

- Mas então porque você faz? Se é tão sofrido, arruma as paradas em outra hora, tem que ser agora, só para todo mundo ver que você não é uma filha relapsa para com o túmulo da sua mãe, o que aliás é uma puta besteira porque você sabe que a vó não tá lá e nem nunca esteve... que o que foi para lá é só um corpinho que a essa altura já não diz muita coisa sobre a pessoa também... Desencana, vai para a praia, larga essas porra aí que estão te fazendo sofrer.

Eu poderia ter dito isso a um amigo. Não para a minha mãe.

Para a minha mãe, quando você não sofre, não chafurda, você não sente. Só existe amor no sofrimento. E o sofrimento por tabela vira termomêtro quantitativo do amor...

Por essa lógica, se eu me recuso a tortura do Dia de Finados, quer dizer que não amava minha vó. A vozinha cuja lembrança me água os olhos quando como um pastel murchinho parecido com os que ela deixava frito dentro do forno do fogão. Ela que me emociona cada vez que vou até a Vila Élvio e penso que ela era uma das mocinhas operárias começando a vida. A velhinha que me criou...

Mas na sociedade cristã tudo é sofrimento e dor. Não existe espaço para simpesmente sentir a ausência, sem que isso ganhe uma conotação negativa.

Não se pode amar a lembrança. Só sofrê-la.