2.11.07

Dia dos mortos...

Hoje é feriado de Finados. Feriados só me dizem respeito quando posso pensar sobre o que fazer deles. Hoje trabalhei. Portanto não foi feriado... Apenas os ônibus demoraram mais para passar.

Depois de me sentir um tanto quanto desgraçada pela manhã, fiquei lembrando da conversa levemente pesada que tive ontem com a minha mãe. É o primeiro dia de finados em que ela se preocupa em arrumar o túmulo da mãe... Uma mãe da qual ela nunca se separou. Quando casou, fez um puxadinho no quintal. Quando construiu uma casa, fez na extensão do terreno. E quando construiu uma maior e mais distante 10 minutos a pé, fez uma casa nos fundos e levou os pais que já estavam mais velhos e desfeitos do bar em que trabalharam durante anos.
Enfim, ela estava especialmente sofrida. Pegou a foto e as flores para decorar o lugar onde minha vozinha está enterrada, e passou o dia de ontem, mais provavelmente o dia de hoje sofrendo por ter que lidar com a materialidade da morte.

Mas então por quê?

Hoje é um dia para, por meio da lembrança e da ida ao cemitério, mantermos presente os que se foram. Como se eles fossem ficar infelizes caso não fossem lembrados. Ou mesmo, viessem puxar o pé de alguém...


Entendo o sofrimento e o ritual da dor. Depois que a gente vem para a universidade virar intectuário e alcólatra, o simples foda-se qualquer, religião, jesus cristo ou o caralho, não contemplam mais. A gente quer tocar foda-se, mas também quer entender.

E eu não tenho mais nem idade para falar isso para a minha mãe. Não tenho mais 15 anos e nem vontade de ficar fazendo outro tipo de pregação, no caso, convertê-la ao ateísmo.

Mas sem querer, num surto de indignação, acabei voltando a ser, para a minha mãe, a adolescente passa mal... acho que eu nunca deixei de ser na verdade.

Ela me falando e chorando... relatando como era difícil, que era foda e traus, que foi ruim ir pegar flores e lálálá...

- Mas então porque você faz? Se é tão sofrido, arruma as paradas em outra hora, tem que ser agora, só para todo mundo ver que você não é uma filha relapsa para com o túmulo da sua mãe, o que aliás é uma puta besteira porque você sabe que a vó não tá lá e nem nunca esteve... que o que foi para lá é só um corpinho que a essa altura já não diz muita coisa sobre a pessoa também... Desencana, vai para a praia, larga essas porra aí que estão te fazendo sofrer.

Eu poderia ter dito isso a um amigo. Não para a minha mãe.

Para a minha mãe, quando você não sofre, não chafurda, você não sente. Só existe amor no sofrimento. E o sofrimento por tabela vira termomêtro quantitativo do amor...

Por essa lógica, se eu me recuso a tortura do Dia de Finados, quer dizer que não amava minha vó. A vozinha cuja lembrança me água os olhos quando como um pastel murchinho parecido com os que ela deixava frito dentro do forno do fogão. Ela que me emociona cada vez que vou até a Vila Élvio e penso que ela era uma das mocinhas operárias começando a vida. A velhinha que me criou...

Mas na sociedade cristã tudo é sofrimento e dor. Não existe espaço para simpesmente sentir a ausência, sem que isso ganhe uma conotação negativa.

Não se pode amar a lembrança. Só sofrê-la.

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