12.6.08

O aniversário da foca

Tenho lembrado muito de uma pessoa que fez parte da minha vida por muito tempo. Dias atrás, no meio da madruga, chegou um recadinho dele dizendo apenas "saudades". Engraçada essas sintonias, mas sempre acho que podemos explicá-las, em parte, pela memória compartilhada. No mês passado, nos encontramos e lembramos que faziam 11 anos que havíamos nos conhecido.
Hoje fiquei pensando em como eu gostava (ou ainda gosto) dos rituais comuns. Não toda a pieguice comercial do dia dos namorados C&A. Mas o carinho, a lembrança, os marcos de passagem e datas comemorativas. Os casais criam um mundo próprio, em que determinadas coisas passam a fazer sentido, e é claro, apenas porque é em função da outra pessoa. Não cabe em outro espaço, nem em outra relação.
Lembrei da minha foca de pelúcia. Exatamente 11 anos atrás, relacionamento começando, aquela insegurança típica de quem começa a se perceber apaixonado, sem saber muito bem o que esperar do outro. Ele então, o outro, me aparece com uma foca de presente de dias dos namorados. Dizia que ela era careca e com um fiozinhos de barba que nem ele. Era um bichinho para que eu me lembrasse sempre dele.
A partir disso e é claro que apenas por um tempo (intenso, longo, mas um tempo) firmamos um companheirismo maravilhoso. Ele é músico, a gente curtia ir em pagodes, sertanejos, karaoke, rock, o que rolasse. Enchiamos a cara juntos. Ele passou a fazer parte do meu grupo de amigos, do meu grupo de teatro. Ajudava no que desse fazendo cenário, dando pitaco em música, luz...
Eu assistia aos ensaios da banda dele. Ouvia suas composições, falava o que achava e ele ouvia. Juntamos por vezes as duas galeras, os meus e os deles, a ponto de quase sair mais um casal.
Todo ano, eu olhava para a foca e lembrava que o aniversário dela, era mais um ano que eu passava com ele.
Mais um ano de cantoria, de brigas, de amor, de conversas sobre o mundo e sobre a gente.De inventação de rituais. Nossos rituais. Mais um ano que ele me chamava de "leãozinho" (por que será hein?) e cantava para me acordar: "Gosto muito de te ver leãozinho, caminhando sob o sol..."
No primeiro aniversário da foca, sem o aniversário de namoro, eu achei que ia morrer. Mesmo. De verdade.
Nessa lógica de "mundo do casal", com o tempo a gente começa a sacar até a intenção das palavras. Às vezes eu perguntava, por conta de alguma estranheza: O que foi? E ele respondia: Nada não.
Era mentira. Tinha alguma coisa sim, e não falhava. Se a resposta era somente um "nada", aí sim podia ser encanação.
Tanto era verdade, que tempos depois, já na crise, ele fez um música. Me surpreendi de manhã descobrindo que ainda sei o final dela.
"Nao te entendo e temos tudo do avesso
de nossa geração.
Passo a passo faço nossa história
se tornar canção
Andamos juntos tão distantes
de nossa geração
Temos defeitos, tenho medo
do meu coração.
-O que foi?
- Nada não.
- O que foi?
-Nada, nada não...."
Hoje em dia ele deve odiar essa música, achar ruim para caramba, com rimas pobres. Mas eu dizia para ele que ia fazer um puta sucesso na indústria de massa para o público adolescente. Que ele ia ficar rico-famoso-drogado, me trocar por uma modelo, ficar mais deprimido e mais drogado e morrer disso.
E eu ia ficar rica leiloando entre patricinhas adolescentes histéricas, o manuscrito original da música.
Ele ria.
Eu ria.
Ele continua músico e meio hippão... Agora me chama de irmãzinha. Vai vendo...
Eu eu continuo aqui. Em tempo difíceis para se falar de amor, é bom ficar lembrando como ele existe.

5 comentários:

Lia Kayano Morais disse...

linda, com tudo e sempre

Anônimo disse...

Às vezes você até me sensibiliza, como em dias como este, em que resolvo a troco de nada parar por aqui. Poderíamos ser amigas, poderíamos ser muito mais. A sua insensibilidade no entanto foi maior. Pena.

Depois do tempo que escorrega e vai levando tudo, te desejo um outro amor, um amor maior ou apenas diferente (já que todo amor é incomparável). Espero te ver mais sensível, mais atenta ao mundo e à sensibilidade dos outros, mas essa é apenas a minha expectativa. (nenhuma relação com você, apenas o meu olhar).

Bonito esse texto seu. Que venham outras focas.

Angelamô disse...

Minha foca era um búfalo, pode?

Anônimo disse...

Eita Cássia!! Eu conheço essa foca e essa história aí.... saudade, neh?!!
Em relação à distância daqui onde estou... é relativo, viu?! Vou ao trabalho a pé e estou a quinze minutos da Rua Augusta de metrô em não horário de pico... mas, enfim... se acha mesmo tão longe, a gente pode marcar no metrô Ana Rosa... estou esperando um convite!
Trabalho sábado das cinco e meia até as oito e meia, mas na sexta não trampo. Saudade d'ocê!
Bjo
Dani.

Flor que Não Existe disse...

Cassitchas, assim você emociona
essas desavergonhadas de coração mole...

beijo grande
da Carolzinha.