29.8.09

É só mais um dia...

Um dia ela acordou e, sozinha, resolveu andar pela rua meio sem propósito nenhum. Surpreendeu-se ao perceber que não conhecia o novo porteiro. Devia ter começado naquele dia porque sua vida absolutamente irregular lhe permitia conhecer os funcionários de todos os turnos. Entrou na padaria e também nenhum dos funcionários fazia parte do grupo antigo. O que teria acontecido? Demitidos em massa? Serviçais, educados, baratinhos e que conheciam todo mundo por que estavam fazendo a mesma coisa de suas vidas há muito tempo. Na banca o senhor sem braço não estava. Na rua, nenhuma das crianças que estavam aqui ontem estava ali hoje. São todas novas. Como novas são as atendentes do supermercado. E o chinês?Onde está a família toda? Quem são esses chineses que agora ocupam o lugar se comportando praticamente da mesma forma, como seres sem subjetividade que tantas vezes parecem ser?

Começava a estranhar. Algo não fazia sentido. Pensou em um lugar onde com certeza encontraria pessoas conhecidas. Correu para o bar e não encontrou ninguém. Chegou no seu trabalho e tudo continuava da mesma forma, mas com pessoas absolutamente estranhas subitamente tomada por um ar de quem é você. Como se um elemento estranho adentrasse o solo sagrado dos medíocres seres que, constantemente inferiorizados pelo mundo, precisam se sentir especial em alguma coisa ou lugar. Saiu e correu até o restaurante em que jantava todos os dias. Ninguém. Nem mesmo o dono, um velhinho que provavelmente sairia do balcão para o cemitério. Bateu na casa de conhecidos e outras pessoas atenderam, respondendo sempre não saber de quem ela perguntava. O seu Antônio, morador de rua. Sim. Aquele velhinho que fica na esquina desde sempre. Ele não pode ter saído dali. Se tivesse lugar melhor para ficar já teria ido. Ele que não escolhe nada. Ele que não é nada, só uma parte da paisagem urbana. Ele que é, no máximo, um tema de pesquisa acadêmica. Ele não pode ter procurado outra vida. Ele está no lugar de sempre. Corre até lá e no lugar de seu Antônio... um outro Antônio igual mas diferente.

Depois de muita insistência e busca, entendeu que não conhecia mais ninguém no mundo e que ninguém a conhecia. Não se tratava do que ela preferia, mas de como as coisas eram. Não se tratava de sensação, mas da solidão concreta.

Sentiu uma tristeza que parecia ser de outros tempos. Como se aquilo o que estava acontecendo na verdade não fosse novidade nenhuma. Apenas havia se cristalizado na realidade o que sempre foi. Ela apenas chegava à condição primordial e última do ser humano: ser sozinho.Percebeu que, no fundo, nada havia mudado.Entendendo isso, se tranquilizou e continuou a viver.

3 comentários:

disse...

a condição primordial do ser humano é ser "junto". não é à toa que a gente nasce grudado. a última é uma escolha, às vezes nem tão acertada.

Cathola disse...

Opção? Talvez não seja tão simples assim...

strl disse...

Gostei do "solidão concreta", bem marxista! Fala mais sobre re-conhecer-se (conhecer a si mesmo nos olhos do outro, dos outros). Não mais nos reconhecemos por algumas razões:1.nós mudamos; 2.os outros mudam e 3.não sabemos pra onde estamos mudando pois tudo parece "igual mas diferente". Até agora, os capitalistas se dedicam apenas a transformar o mundo e os filósofos já se esqueceram de interpretá-lo.
Bjs