13.8.08

Sobre a vitória do feminismo liberal

Ou: O dia em que as mulheres ganhando, perderam

Para Cqs... Afinal isso aqui saiu depois uma longa orgia gastronômica no famigerado Rei do Filé, gastando nossa parte de salário, ops, quer dizer, de emancipação...

O mundo não para. A produção não cessa e compete incessantemente entre si. Rivalizando consigo mesma, a máquina se humaniza e coisifica a humanidade na medida em que suas necessidades são mais importantes. Ela precisa ser mais rápida e mais eficaz, e para tanto, o homem atrapalha.
- Ele gera custo, ele precisa de salário. Esse desgraçado tem família e eu tenho que sustentá-los, sendo que nem sei se vou precisar dos seus filhos futuramente, como no tempo de minhas máquinas avós.
Quando um dia, a vaidade das máquinas, que querem ser melhores entre si, conseguiu praticamente extinguir o trabalho vivo, apenas alguns machos @ continuavam a ser importantes, afinal eram eles que podiam alimentar o duelo de Titãs que se estabelecera. Eles e somente eles ainda participavam da brincadeira, eram os melhores. Os outros, no início, ocupavam outros setores da sociedade, o de serviços. Entretanto, as mulheres aos poucos foram dominando seus espaços. A cada dia elas emancipavam-se mais e mais dos homens e prendia-se ao pouco trabalho que ainda restava. Elas trabalhavam com afinco, eficiência, colocavam a carreira/emprego em primeiro lugar. Elas precisam se libertar, ficar livres de seus algozes ancestrais, e vender a alma para o diabo-deus mercado era o preço a se pagar pela liberdade. A liberdade, aquela... A mesma que os homens lutavam há mais de duzentos anos para conquistar. A liberdade de consumir, de ser um indivíduo, de poder vender minha força de trabalho para o senhor de engenho que eu quiser. Viva a liberdade!
Muitos homens passaram a perambular pelas ruas, perdidos, sem saber o que fazer agora que lhes tiravam o trabalho. Batiam em suas esposas quando essas regressavam do dia de liberdade na roda viva do mercado. Não podiam compreender como o mundo os havia descartado. Eles é que construíam o mundo. As mulheres cuidavam das atividades subsidiárias. Assim é o mundo livre.
As mulheres, libertas e presas, passaram a perceber todo o poder que o diabo-deus havia lhes dado. Passaram a desprezar os homens. Eles não serviam mais para nada mesmo. Podiam comprar apetrechos chineses baratos que supriam a força física necessária para se abrir uma lata de palmito. Tudo é moderno: Ou se arruma com um tapa, ou se joga fora e compra outro quando der.
Entre eles, muitos se resignavam e, por vezes, até gostavam da nova função: Donos do lar. Agora a casa e os filhos eram deles. Pediam dinheiro para a mulher para comprar cigarros e a cervejinha (uma só porque elas geralmente não gostavam que ele bebessem muito) do fim do dia.
- Afinal, talvez seja melhor do agüentar aquele filha-da-puta do Alcides que passou a me foder depois que virou chefe. Pelo menos ela gosta de sexo.

As mulheres agora tinham tempo além do trabalho para pensar em outras coisas. Podiam ir para o bar, ver as amigas, discutir política. Começaram a ter idéias novas. Começaram a organizar associações políticas, soviets exclusivamente femininos. Faziam greves no setor privado de serviços, eram unidas e vez por outra paravam todo o sistema de telemarketing de uma cidade. Praticamente paravam o comércio do lugar. Não tinham força na produção, dado que o setor era minúsculo, mas atuavam fortemente na circulação de mercadorias.
Elegeram uma presidenta, pelo partido Scum, fazendo coro com outros diversos países. Até a China já era governada por uma mulher. A América Latina e a Europa em sua maioria também. Apenas os E.U.A continuavam com um presidente homem, um pastor, mas estes já não tinham tanta importância...
Tomaram o Estado. A social democracia das mulheres, já que as membras consideradas radicais por falarem de classe e fazerem a crítica ao sistema foram banidas. Eram dinossauras anacrônicas.
Aí foi demais. Milícias de machos passaram a se organizar. Machos pobres principalmente, aqueles que não conseguiam se adequar ao mundo das mulheres. Não tinham emprego, e não conseguiam se casar. A questão de gênero continuou sendo uma questão de classe, como sempre foi, mas agora, os homens é que estavam na rebarba do sistema. Eram eles que lutavam por direitos.
A tensão aumentou. A Presidenta Scum, alegando motivos de força maior e segurança pública, convenceu o Senado e a Câmara, ambos constituídos basicamente por mulheres lindas, ricas e que gozam loucamente, ou seja vitoriosas, e por isso eleitas, a lhe dar plenos poderes para agir. O executivo precisava ser forte para que dessa forma, pudesse ter agilidade e destreza para agir enérgica e pontualmente no que fosse necessário. O exército, dividido entre mulheres e submissos conservadores que agiam apenas pela cabeça de suas esposas, estava com ela.

Para que a ordem das coisas se mantivesse: a produção funcionando, as mulheres pobres trabalhando como serviçais baratas, e seus homens cuidando da miserável casa e dos seus mal cuidados filhos, além de fazerem bicos da casa de madamos, os privilegiados que passavam o dia tomando wiski enquanto a mulher mega executiva trabalhava e tinha amantes.

Para que essa bela obra não se desfizesse, esse mundo que lutamos tanto para conquistar. Quantos sutiãs queimados? Quanto trabalho gratuito para mostrarmos o quanto éramos eficientes? Quantos filhos não tidos ou simplesmente largados pelo caminho, nas casa de avós ou na rua?

A perseguição passou a ser cruel. A presidenta escum que nunca vira com bons olhos a permanência de vícios de feminilidade fora da esfera estritamente sexual reprodutiva da cama, fechou o congresso alegando que aquelas mulheres lindas estavam à serviço dos homens. Elas continuavam a se enfeitar porque subjetivamente, eram submissas. E muitas subjetividades viram uma objetividade, portanto uma fraqueza. Foram todas gentilmente enviadas para casa e voltaram as suas atividades de empresárias herdeiras. Magoadas, mas como eram ricas, podiam continuar a serem as fofas enfeitadas em seus oásis particulares. Pensando bem é até melhor, dado que sendo ilegal, constituia um privilégio ainda maior. Lá poderiam fazer as unhas, hidratação, depilação, massagem... Poderiam passar o dia experimentando roupas e modelos novos. Cheirando a melhor cocaína e indo fazer 3 horas de ginástica. E de noite, iam lindas e clandestinas para lugares escusos, onde pagavam bebidas para vagabundos bonitos e silenciosos... Esses guetos eram frequentados por mulheres ricas ou de classe média, apenas fúteis e loucas por diversão, ou subversivas e atuantes politicamente. De qualquer forma, os locais eram poucos e elas acabavam por freqüentar os mesmos ambientes, unindo-se territorialmente por não se resignaram ao Estado. Poucas mulheres pobres conseguiam ter acesso a esse mundo. Por vezes, essas moças, fúteis ou progressistas que se mesclavam entre si, e que encontravam homens de vida clandestina nos guetos mais obscuros. Eles, apesar de inimigos para a maioria, para o senso comum, de questionarem a hegemonia e opressão das mulheres, eram homens que pareciam tão interessantes... Já as guerrilheiras, aquelas que foram banidas nos primeiros tempos da social democracia feminista, viviam escondidas no pouco que nos restava do que chamávamos de “campo”, mato.

Enquanto isso, as mulheres pobres deveriam sacrificar-se pela causa feminista de Estado. Uma sociedade nova só poderia ser construída com muito esforço e disciplina. Nada de perder tempo se arrumando. Isso são resquícios do tempo em que éramos escravas dos homens. Os interrogatórios eram cruéis.
- Você vestiu uma lingerie preta e ficou de quatro, em posição de submissão ao seu amante?
- Não..... juro que não....
- Mas sua vizinha delatou você. Disse que ouviu coisas indecentes do barraco dela e, quando foi verificar, lá estava você, cedendo as próprias fantasias.
- Tá bom, eu confesso. Dei de quatro e vesti lingerie vermelha.
- Era preta.
- Tá. Tá... preta então....

E no outro caso, com as moças de classe média:
- Você deixou de ir trabalhar na empresa e passou o dia tomando sorvete de chocolate, assistindo filme romântico e chorando pelo seu ex? Aquele que te trocou por uma perua de salto alto, altamente subversiva?
- Não... eu estava chorando porque não passei em uma prova da pós graduação...
- Mentira, era por causa de um homem.
- Não, juro. Era pela minha vida profissional...

A opressão pelo ser correto e plenamente feminista passou a ser tanto quanto a piora significativa nas condições de vida. Nem mesmo as mulheres tinham emprego. Muitas camelôs andavam pelas ruas com suas mercadorias, e, mesmo a atividade tendo sido proibida aos homens, elas também eram muitas. Faxineiras andavam de casa em casa oferecendo seus serviços. Concorrendo com elas e clandestinamente, portanto de forma mais barata, homens donos de casa buscavam serviço para ajudar suas mulheres desempregadas.

Milhões de pessoas iam para as ruas e exigiam eleições livres mistas. Achavam que o problema do Estado e do eminente colapso econômico, era a falta de democracia, transparência e vontade política. Diante das pressões, a Presidenta Scum renunciou. O governo provisório e misto que assumiu o poder, imediatamente, liberou a censura aos salões de beleza e as fábricas e manufaturas de produtos de beleza em geral. Restabeleceu-se a liberdade de ser enfeitada e bonita, enquanto manteve-se a opressão de todo o resto. As guerrilheiras que teimavam em falar de igualdade social continuavam banidas e perseguidas.
Mas o mercado da beleza reaqueceu os empregos femininos. O dinheiro voltou a circular por meio de unhas feitas e cabelos pintados. A desigualdade continuou, mas agora poderíamos continuar lutando por liberdade. Podemos continuar pedalando sem chegar a lugar nenhum. Sem ao menos sair do lugar...

E assim, a aparência foi considerada em detrimento da essência e as questões conseqüentes, transformados em questões primordiais, esconderam onde é que realmente morava o problema. E o capital continuou caminhando para sua ruína, levando consigo uma parte do mundo. E a paz dos pobres mais uma vez se restabeleceu...

Nenhum comentário: