26.8.06

Piedade I


Piedade- Vila Élvio – lugar onde minha mãe nasceu. Uma Vila operária no meio do nada com lugar nenhum. Antiga exploração de madeira do mato para carvão. Depois fábrica de cama patente. Uma antiga fazenda de nome Vila Élvio em homenagem ao filho do dono que morreu quando caiu do cavalo. Meu avô morava no mato também. Vida miserável e minha vó fugiu dele quando ficou sabendo que tinha emprego na fábrica. Chegou na casa do compadre Simplício, que a acolheu com minha tia, e ainda permitiu que com seu nome fiassem para minha vó na venda, para as primeiras despesas. Depois de empregada, já trabalhando, convenceu meu avô a ir também... conseguiram uma casa na Vila, e em pouco tempo, como ele sabia escrever e fazer conta porque aprendeu com um primo sabido, tornou-se o encarregado. Fazia hora extra feito um doido, conseguiu acumular. Minha vó lembra quando chegou a “ïtalianada” como ela diz. Inclusive o dono da Vila e da fábrica era um italiano. Aquilo virou literalmente um samba do crioulo doido. Antes dos italianos, vieram também japoneses e os mateiros como eles. Misturou tudo, no melhor sentido do que é o Brasil e virou o lugar mais animado de Piedade. As pessoas iam para lá no Carnaval e nos bailes animadíssimos dos italianos com saudades da terrinha. Também foram eles que trouxeram um projetor, o primeiro cinema de Piedade. De uns tempos para cá, a Vila passou a abrigar também o “Vale das Hortências”, hospital psiquiátrico. Mais Brasil ainda.
Às vezes vou para lá comer pão assado na hora e ver os remanescentes italianos amigos da minha vó, como a dona Ana que criou minha mãe enquanto a mãe dela trabalhava. E viajar nas histórias do proletariado caipira -lombardo que esse Luis Livio, dono da fábrica conseguiu inventar. As evidências ainda estão lá, a fábrica, a casa onde minha mãe nasceu, o antigo cinema, o salão de baile. Meus avós vieram embora para a cidade e montaram um bar. Mas toda a memória ainda está lá, principalmente da dureza da vida, da solidariedade, das festas, como a de Santa Therezinha que deu nome a minha mãe. Todos contam de tudo, lutando para que aquilo não se perca. Mas a principal lembrança que permeia as histórias de todos, é dos carnavais. Dos bailes e das bebedeiras lembradas com um risinho que denuncia a moral cristã. Por que tem essa. Brasil que é Brasil faz festa, esbórnia, se embriaga na ânsia da alegria que compensa a vida. Mas como diz minha vozinha.... Naquele tempo não era o que é hoje não...ninguém respeita mais nada. A gente se esbaldava, mas respeitava. Terça-feira, meia noite acabava tudo e daí, festa só depois da quaresma. Não pode fazer festa quando o diabo tá solto porque ele atenta...
Quando ela fala disso, só consigo lembrar de outra música que nada tem de carnaval. Bom devia ser quando o diabo só estava solto nos quarenta dias da quaresma...

“Jesus está por vir, mas o diabo já está aqui.”

2 comentários:

Angelamô disse...

Puts, que bonito!
Mas e a urutu-de-orelha, não faz parte dessa festa?

Anônimo disse...

Ai que saudade!