2.11.06

Ninguém para o mundo, e alguém para a gente

Mergulhar na gente. Dias em que não se fala com ninguém. Falo sozinha e uníssona durante toda a semana. Me exponho o tempo todo diante de pessoas. Sou professora de seres que me olham constantemente com um ar de, quem é você? Quem eles acham que eu sou? O que pensam quando me olham? Sinto-me sempre como uma aberração. Trabalho em um meio masculino. Sou a exceção. E detesto me sentir vanguarda de uma imbecilidade como a conquista de espaços femininos no mercado de trabalho. Conseguimos o direito de sermos exploradas em todas as esferas. Bela conquista....
Mas quando passo o dia mergulhada apenas em mim também me dá certa sensação de aberração. A vida é uma só, portanto não dá para fazer um rascunho e melhorar depois. Além disso, sou única (para meu azar ou sorte) e não posso fugir do que sou. Responsável por tudo o que diz respeito diretamente a mim. Sentindo coisas de uma forma que só eu sinto e entendo, vendo o mundo sob a ótica de um constante daltônico que não compartilha o senso comum. E dessa forma, quem compartilha? Quem me diz que existem apenas dois universos, o dos normais e dos daltônicos? Quem garante que essas duas categorias dão conta que resumir a percepção das cores?
Assim, mesmo partindo do pressuposto que cada ser é um universo, mesmo quando distante dos olhos cotidianos que me estranham tentando captar minha subjetividade, eu me sinto estranha. Bizarra não no âmbito do inaceitável, mas daquilo que saiu da trajetória comum para aqueles que a percebem. Quando a estranheza de não me sentir daqui e nem de lugar nenhum bate, saio para andar e tomar uma cerveja sozinha. Saio para tentar perceber o mundo e sua estranhezas, e dessa forma, percebendo o estranho para o meu olhar, sinto - me parte do mundo, me integro.
Entretanto, trata-se de um exercício doloroso. Voltar-se demais para si é sempre muito doloroso. Sugere um egoísmo que só pode ser maléfico, mas que ás vezes coloca-se como necessário. Mas se me isolo, é para ver com atenção o outro. E entender o outro é também entender a si mesmo na medida em que dividimos as mesmas esquizofrenias do mundo, e reagimos de formas peculiares e padrões frente a elas. As formas padrões dizem respeito, por exemplo, a coerção do mundo do trabalho. Muita gente faz a mesma coisa ao mesmo tempo e está aí o trânsito que não me deixa mentir. Mas muita gente, quando sai desse universo, faz muita coisa dita esquisita também, no seu pequeno mundo, na sua micro esfera de relações.
Hoje, essas pequenas doideiras do mundo me saltaram aos olhos num curto espaço de tempo, na verdade o tempo de andar da minha casa até um bar. Na verdade, antes ia ao cinema. No ponto de ônibus, sozinha. Então, surge uma figura... completamente bêbada, falando sozinha, dialogando com coisas que só ela estava vendo. Falando despropósitos e eu, aparentemente, não existia naquele recorte de espaço-tempo em que ela estava. Passa uma evangélica padrão, do tipo cabelo muito comprido preso num rabo de cavalo com uma presilha de pérolas falsas e saião. Passa e começa a cantar músicas do seu culto quando tromba a figura bêbada (que nessa altura fazia sinal para um ônibus que só existia no seu universo paralelo. Ou será que eu e a crente é que não víamos o real? Quem tinha razão naquele ponto?)
A figura veio na minha direção. Medinho....
-Eu mexi com você?
- Não.
- Eu mexi com ela? Olha lá....
E a saiuda cantando hinos ao senhor.... continuou, olhava para trás e realmente demonstrava sua repreensão e desprezo para com a sua próxima, aquela de quem acabara de ouvir falar na Igreja.
Por fim um fusca azul calcinha parou e levou a breaca. Nessa hora, enquanto ela fazia um ar de acolhida, só conseguia me ver como sozinha. Tive raiva da crente e de mim. Parecíamos as mais infelizes da história. A supostamente desencaixada, tinha alguém que lhe buscasse. Ali, eu não tinha nada, e a crente tinha a sua fé. Dane-se o cinema....
Cerveja no bar vazio. Fiquei pensando o quanto as pessoas que por ali passavam achavam no mínimo esquisito o que para mim varia de indiferente a um grande prazer. Só não assumo que gosto de beber sozinha porque tenho medo da implacável genética que me vem a cabeça quando escuto a história de meu avô, tios e primos. Portanto, faço apenas quando me sinto mal o suficiente para não me importar. Gosto de ir para o boteco beber sozinha e ler, ou observar pessoas. Fiquei pensando o quanto eu, que acho que dou conta da vida apesar das tristezas, devo parecer uma louca aos olhos dos outros. Da mesma forma que achava a bêbada esquisita, da mesma forma que estranhei uma conversa no orelhão ali do lado, de um pai que aconselhava o filho a vir para São Paulo trabalhar, da mesma forma como estranhei ver um casal de aparentes dóceis velhinhos urrando um com o outro dentro do carro. Ufa.... preciso perceber a tudo para achar que está tudo bem. Para achar que dentro do possível, por mais que eu não esteja nos padrões de uma moça meiga e fofa, está tudo bem. Dessa forma, olhar o mundo, pelo menos para mim, é uma das boas formas de olhar e aceitar a si. Não de um jeito simplesmente resignado, mas perdoando-se. Perdoando-se por também, às vezes, não conseguir, fracassar. Querer muito construir algo mas não ir adiante e acabar voltando não um, mas 25 passos para trás sem avançar nenhum. Acontece. Também não é tão precioso assim. Talvez banalizar um pouco. Não consegui e preciso pensar sobre isso.Vivemos em um mundo de pessoas que não conseguiram. Solidarizar-se com o outro, é solidarizar-se conosco. E com todos aqueles que sofrem pelos vieses desse mundo completamente torto. Não se trata de mérito. Mas de consolo. Da impressão de que, dentro do possível, está todo mundo sempre tentando fazer o melhor que dá.

2 comentários:

Anônimo disse...

Cá, logo te mando a minha história... "Paródia de um fudido". O caso se passou em um fazenda iluminada chamada Londrina. Com direito a clonagem de cel (2 vezes); roubo de toda grana que passaria o resto do mês (estava na 1º semana), todos os documentos, celular e dignidade. Aguarde a nova trama das 3!

Anônimo disse...

Ai minha amiga...mas uma constantemente dilacerada pela insatisfação de si mesma!