28.9.07

O espírito caipira

Estava olhando umas letras de música caipira, daquelas que cresci ouvindo, mas que por me acompanharem sempre, nunca me importaram tanto. Na adolescência, eu sempre dizia que gostava, que achava bacana e traus... Na onda "os mocinho da Casa da Cultura", pegava bem gostar dessas coisas de raiz, povo ... cultura popular, manja?

E é claro que não gostava de verdade. Respeitava. Era legal gostar, racionalmente, sabia que aquilo era interessante. Mas o que me tocava mesmo, o que me fazia companhia no meu quarto de angústias de jovenzinha meio perdida, eram outras músicas, outras temáticas, outras crises que em absolutamente nada tinham a ver com épicos caipiras tristes, com amores perdidos, criancinhas mortas por um boi, pés de ipês junto a cela, e muitas saudades do interior, do sertão...

Ora, o meu amor não estava perdido (mas dava um trabalho...), as criancinhas me sensibilizavam abstratamente ( como índices de fome no mundo), nunca tinha sido presa, e tudo o que mais queria era sair daquele sertão....

Mas quando, ao chegar do interior, inocente, pura e besta, me vi perdida mesmo, em uma cidade maluca, como pessoas estupidamente blasés que pareciam não se importar com aquele absurdo todo, um sistema de transportes confuso, e mais o anonimato que eu tanto queria com muita, muita solidão.... Ai sim, me peguei chorandinho, sofrendo, ouvindo num buteco da Santa Cecília (de Piedade para o Minhocão, tranquilo...), uma música bem manjada, mas que ainda me emudece, me mareja os olhos...

"De que me adianta, viver na cidade, se a felicidade não me acompanhar, adeus paulistinha do meu coração, lá pro meu sertão eu quero voltar..."

(hehehe... foda, mas juro que chorei com isso, com uma música que ouvi trilhões de vezes...)

Foi aí que entendi porque a viola caipira, na maior parte das músicas, fala do que perdeu... Da vidinha tradicional, do amor que foi embora, do respeito e valores que mudaram. Enfim, dessas modernidade que o capitalismo trouxe...
E senti de verdade o que eles estavam dizendo. Eu estrangeira, forasteira, desenraizada.
Numa cidade cuja maior qualidade e o pior defeito é justamente o não se importar com os outros.

Ai meu sertão...

Sofria por falta de uma identidade. Mas também não queria ir na Vila Madalena comprar uma nova.

- A senhorita deseja ser do pessoal do samba, das rodas de capoeira ou prefere algo mais adaptado a cidade, mais modernozo? Nesse caso, sugiro que vá a Augusta....

Mas só ali percebi que a que eu tinha, só agora, longe dela, é que me doia. Doia porque não cabia nesse mundo em que agora eu estava. E que eu teria que inventar um jeito de não me perder, de não virar nada...

Eu que estava, naquela hora, detestando tudo isso aqui. Mas que também, não queria como a música dizia, voltar para o meu sertão.

Nessa vaguei um bom tempo pela capitar... pelo monstro que me atraia muito, mas que me comia um pouco mais cada vez que eu me aproximava...

E assim por um bom tempo, eu chegava na segunda, sofria até quinta aqui. Voltava para Piedade, e sofria até segunda lá...


5 comentários:

Anônimo disse...

pois é... Vide Drummond, os caipira sofre, nega!
Raquel

Angelamô disse...

Que lindo!
"Chega aqui em casa pra uma bibidinha..."
Bjo

Anônimo disse...

Penso nessa música direto. Gosto muito do trecho que fala em "alguém está chorando com o rádio ligado..."
Ainda gosto e odeio ser caipira. A vezes tiro como vantagem, sinto-me a própria menina bugra e livre do fundão de SP, banho de rio, cavalo, pé na terra de índios bravos. Às vezes me maltrato pensando com ódio naquilo que parece uma deficiência, algo como "nunca deixarei de ser caipira". Caipira sofre.
Beijo,

Aline

Anônimo disse...

Mais uma coisa... que essa tocou profundo. Viva António Cândido!

Mais beijos,

Aline

Anônimo disse...

Eu, então?!: Que sou um "caipira" daqui da cidade mesmo de dentro e amputado dela... Sou lá da Zelê e teve muitas vezes que tentei comprar minha identidade na Vila... Ainda bem que também não consegui!
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